crepúsculo

by - 13:54

Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim,
disse Deus: Não comereis dele,
Nem nele tocareis
Para que não morrais.
Gênesis, 3:3

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PRÓLOGO
nunca pensei muito em como morreria — embora nos últimos
meses tivesse motivos sufi cientes para isso —, mas, mesmo que tivesse pensado,
não teria imaginado que seria assim.
Olhei fi xamente, sem respirar, através do grande salão, dentro dos olhos
escuros do caçador, e ele retribuiu satisfeito o meu olhar.
Sem dúvida era uma boa forma de morrer, no lugar de outra pessoa, de
alguém que eu amava. Nobre, até. Isso devia contar para alguma coisa.
Eu sabia que, se nunca tivesse ido a Forks, agora não estaria diante da morte.
Mas, embora estivesse apavorada, não conseguia me arrepender da decisão.
Quando a vida lhe oferece um sonho muito além de todas as suas expectativas,
é irracional se lamentar quando isso chega ao fi m.
O caçador sorriu de um jeito simpático enquanto avançava para me matar.
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1. À PRIMEIRA VISTA
minha mãe me levou ao aeroporto com as janelas do carro
abertas. Fazia 24 graus em Phoenix, o céu de um azul perfeito e sem nuvens.
Eu estava com minha blusa preferida — sem mangas, de renda branca
com ilhoses; eu a vesti como um gesto de despedida. Minha bagagem
de mão era uma parca.
Na península Olympic, do noroeste do estado de Washington, há uma cidadezinha
chamada Forks, quase constantemente debaixo de uma cobertura
de nuvens. Chove mais nessa cidade insignifi cante do que em qualquer outro
lugar dos Estados Unidos. Foi desse lugar e de suas sombras melancólicas e
onipresentes que minha mãe fugiu comigo quando eu tinha apenas alguns
meses de idade. Nessa cidade eu fui obrigada a passar um mês a cada verão
até ter 14 anos. Foi então que fi nalmente bati o pé. Nos últimos três verões,
meu pai, Charlie, passou duas semanas de férias comigo na Califórnia.
Era em Forks que agora eu me exilava — uma atitude que assumi com
muito pavor. Eu detestava Forks.
Eu adorava Phoenix. Adorava o sol e o calor intenso. Adorava a cidade
vigorosa e esparramada.
— Bella — disse minha mãe, pela centésima vez, antes de eu entrar no
avião —, você não precisa fazer isso.
Minha mãe é parecida comigo, a não ser pelo cabelo curto e as rugas
de expressão. Senti um espasmo de pânico ao fi tar seus olhos arregalados e
infantis. Como eu podia deixar que minha mãe amorosa, instável e descuidada
se virasse sozinha? É claro que ela agora tinha o Phil, então as contas
provavelmente seriam pagas, haveria comida na geladeira, gasolina no carro
e alguém para chamar quando ela se perdesse, mas mesmo assim...
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— Eu quero ir — menti. Sempre menti mal, mas ultimamente ando
contando essa mentira com tanta freqüência que agora parecia quase convincente.
— Diga a Charlie que mandei lembranças.
— Vou dizer.
— Verei você em breve — insistiu ela. — Pode vir para casa quando quiser...
Eu volto assim que você precisar de mim.
Mas eu podia ver, nos olhos dela, o sacrifício por trás da promessa.
— Não se preocupe comigo — insisti. — Vai ser ótimo. Eu te amo, mãe.
Ela me abraçou com força por um minuto e depois entrei no avião, e ela
se foi.
De Phoenix a Seattle são quatro horas de vôo, outra hora em um pequeno
avião até Port Angeles, depois uma hora de carro até Forks. Voar não me
incomodava; a hora no carro com Charlie, porém, era meio preocupante.
Charlie foi realmente gentil com tudo aquilo. Parecia realmente satisfeito
que eu, pela primeira vez, fosse morar com ele por um período mais longo.
Já me matriculara na escola e ia me ajudar a comprar um carro.
Mas sem dúvida seria estranho com Charlie. Não éramos o que se chamaria
de falantes, e eu não sabia se havia alguma coisa para dizer. Sabia que
ele estava bastante confuso com minha decisão — como minha mãe antes de
mim, eu não escondia o fato de detestar Forks.
Quando pousamos em Port Angeles, estava chovendo. Não vi isso como
um presságio — era apenas inevitável. Eu já tinha dado adeus ao sol.
Charlie me aguardava na radiopatrulha. Eu também esperava por isso.
Charlie é o chefe de polícia Swan para o bom povo de Forks. Minha principal
motivação por trás da compra de um carro, apesar da verba escassa, era que
me recusava a circular pela cidade em um carro com luzes vermelhas e azuis
no teto. Nada deixa o trânsito mais lento do que um policial.
Charlie me deu um abraço desajeitado com um só braço quando eu cambaleei
para fora do avião.
— É bom ver você, Bells — disse ele, sorrindo enquanto automaticamente
me segurava e me fi rmava. — Você não mudou muito. Como está
a Renée?
— A mamãe está bem. É bom ver você também, pai. — Eu não tinha
permissão para chamá-lo de Charlie na frente dele.
Eu tinha só algumas malas. A maior parte das minhas roupas do Arizona
era leve demais para Washington. Minha mãe e eu havíamos juntado nossos
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recursos para complementar meu guarda-roupa de inverno, mas ainda assim
era reduzido. Coube tudo muito bem na mala da viatura.
— Achei um bom carro para você, baratinho — anunciou ele quando
estávamos afi velando o cinto.
— Que tipo de carro? — Fiquei desconfi ada do modo como ele disse “um
bom carro para você ” em vez de simplesmente “um bom carro”.
— Bom, na verdade é uma picape, um Chevy.
— Onde o achou?
— Lembra do Billy Black, de La Push? — La Push é a pequena reserva
indígena no litoral.
— Não.
— Ele costumava pescar com a gente no verão — incentivou Charlie.
Isso explicava por que eu não me lembrava dele. Eu era bastante competente
em bloquear da minha memória coisas dolorosas e desnecessárias.
— Ele agora está numa cadeira de rodas — continuou Charlie quando eu não
respondi —, não pode mais dirigir, e ofereceu a picape por um preço baixo.
— De que ano é? — Eu podia ver, pela mudança em sua expressão, que
esta era a pergunta que ele esperava que eu não fi zesse.
— Bom, o Billy trabalhou muito no motor... Na realidade só tem alguns
anos.
Eu esperava que ele não me subestimasse a ponto de acreditar que eu
desistiria com tanta facilidade.
— Quando foi que ele comprou?
— Comprou em 1984, eu acho.
— Ele a comprou nova?
— Bom, não. Acho que era nova no início dos anos 60... Ou fi nal dos anos
50, no máximo — admitiu ele timidamente.
— Ih... Pai, eu não entendo nada de carros. Não conseguiria consertar se
alguma coisa desse errado, e não posso pagar um mecânico...
— Na verdade, Bella, o troço funciona muito bem. Não fazem mais carros
assim.
O troço, pensei comigo mesma... Era possível — como apelido, na melhor
das hipóteses.
— É barata barata mesmo? — Afi nal, essa era a parte em que eu não poderia
contemporizar.
— Bom, querida, já está quase comprado para você. Como um presente de
boas-vindas. — Charlie me olhou de lado com uma expressão esperançosa.
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Caramba. De graça.
— Não precisava fazer isso, pai. Eu mesma ia comprar um carro.
— Tudo bem. Quero que seja feliz aqui. — Ele estava olhando para a estrada
à frente ao dizer isso. Charlie não fi cava à vontade quando se tratava
de externar as emoções em voz alta. Herdei isso dele. Então fi quei olhando
para a frente quando respondi.
— Foi muito gentil de sua parte, pai. Eu agradeço muito. — Não era
necessário acrescentar que, para mim, era impossível ser feliz em Forks.
Ele não precisava sofrer junto comigo. E a picape dada não se olham os
dentes — nem o motor.
— Não foi nada — murmurou ele, constrangido com minha gratidão.
Trocamos mais alguns comentários sobre o clima, que estava úmido, e
a maior parte da conversa não passou disso. Ficamos olhando pela janela
em silêncio.
Era lindo, é claro; eu não podia negar isso. Tudo era verde: as árvores,
os troncos cobertos de musgo, os galhos que pendiam das copas, a terra
coberta de samambaias. Até o ar fi ltrava o verde das folhas.
Era verde demais — um planeta alienígena.
Por fi m chegamos à casa de Charlie. Ele ainda morava na casinha de
dois quartos que comprara com minha mãe nos primeiros tempos de seu
casamento. Aqueles foram os únicos tempos que o casamento teve — os
primeiros. Ali, estacionada na rua na frente da casa que nunca mudava, estava
minha nova — bom, nova para mim — picape. Era de um vermelho
desbotado, com pára-lamas grandes e arredondados e uma cabine bulbosa.
Para minha grande surpresa, eu adorei. Não sabia se ia funcionar, mas
podia me ver nela. Além disso, era um daqueles negócios sólidos que não
quebram nunca — do tipo que se vê na cena de um acidente, a pintura sem
um arranhão, cercado pelas peças do carro importado que foi destruído.
— Caramba, pai, adorei! Obrigada! — Agora meu pavoroso dia de amanhã
seria bem menos terrível. Não teria que decidir entre andar três quilômetros
na chuva até a escola e aceitar uma carona na radiopatrulha do
chefe.
— Que bom que você gostou — disse Charlie rudemente, de novo sem
graça.
Apenas uma viagem foi necessária para levar minhas coisas para cima.
Fiquei com o quarto do lado oeste, que dava para o jardim da frente. O
quarto era familiar; me pertencia desde que nasci. O piso de madeira, as
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paredes azul-claras, o teto pontiagudo, as cortinas de renda amarelas na
janela — tudo isso fazia parte da minha infância. As únicas mudanças que
Charlie fi zera foram trocar o berço por uma cama e acrescentar uma escrivaninha,
à medida que eu crescia. A mesa agora tinha um computador de
segunda mão, com a linha telefônica para o modem grampeada pelo chão
até a tomada de telefone mais próxima. Isso fora estipulado por minha
mãe, assim poderíamos manter contato facilmente. A cadeira de balanço
de meus tempos de bebê ainda estava no canto.
Só havia um banheiro pequeno no segundo andar, que eu teria que dividir
com Charlie. Estava tentando não pensar muito nisso.
Uma das melhores coisas em Charlie é que ele não fi ca rondando a gente.
Deixou-me sozinha para desfazer as malas e me acomodar, uma proeza
que teria sido completamente impossível para minha mãe. Era legal fi car
sozinha, sem ter que sorrir e parecer satisfeita; um alívio olhar desanimadamente
pela janela para a chuva entristecendo tudo e deixar algumas
lágrimas escaparem. Eu não estava com vontade de ter um acesso de choro.
Ia economizar para a hora de dormir, quando teria que pensar na manhã
seguinte.
A Forks High School tinha um total assustador de apenas 357 — agora
358 — alunos; em Phoenix, havia mais de setecentas pessoas só do meu
ano. Todas as crianças daqui foram criadas juntas — seus avós engatinharam
juntos. Eu seria a garota nova da cidade grande, uma curiosidade, uma
aberração.
Talvez, se eu parecesse uma verdadeira garota de Phoenix, pudesse tirar
proveito disso. Mas, fi sicamente, nunca me encaixei em lugar nenhum. Eu
devia ser bronzeada, atlética, loura — uma jogadora de vôlei ou uma líder
de torcida, talvez —, todas as coisas compatíveis com quem mora no vale
do sol.
Em vez disso, apesar do sol constante, eu tinha uma pele de marfi m.
E não tinha os olhos azuis ou o cabelo ruivo que poderiam me servir de
desculpa. Sempre fui magra, mas meio mole, e obviamente não era uma
atleta; não tinha a coordenação necessária entre mãos e olhos para praticar
esportes sem me humilhar — e sem machucar a mim mesma e a qualquer
pessoa que se aproximasse demais.
Quando terminei de guardar minhas roupas na antiga cômoda de pinho,
peguei minha nécessaire e fui ao único banheiro para me lavar depois do dia
de viagem. Olhei meu rosto no espelho enquanto escovava o cabelo úmido
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e embaraçado. Talvez fosse a luz, mas eu já parecia mais pálida, doentia.
Minha pele podia ser bonita — era muito clara, quase translúcida —, mas
tudo dependia da cor. Não tinha cor nenhuma ali.
Ao ver meu refl exo pálido no espelho, fui obrigada a admitir que estava
mentindo para mim mesma. Não era só fi sicamente que eu não me adaptava.
E quais seriam minhas chances aqui, se eu não conseguisse achar um
nicho em uma escola com trezentas pessoas?
Eu não me relaciono bem com as pessoas da minha idade. Talvez a verdade
seja que eu não me relaciono bem com as pessoas, e ponto fi nal. Até a
minha mãe, de quem eu era mais próxima do que de qualquer outra pessoa
do planeta, nunca esteve em sintonia comigo, nunca esteve exatamente na
mesma página. Às vezes eu me perguntava se via as mesmas coisas que o
resto do mundo. Talvez houvesse um problema no meu cérebro.
Mas não importava a causa. Só o que importava era o efeito. E amanhã
seria só o começo.
Não dormi bem naquela noite, mesmo depois de chorar. Ao fundo o ruído
constante da chuva e do vento no telhado não desaparecia. Puxei o velho
cobertor xadrez sobre a cabeça e mais tarde coloquei também o travesseiro.
Mas só consegui dormir depois da meia-noite, quando a chuva fi nalmente
se aquietou num chuvisco mais silencioso.
Só o que eu conseguia ver pela minha janela de manhã era uma neblina
densa, e podia sentir a claustrofobia rastejando em minha direção. Jamais
se podia ver o céu aqui; parecia uma gaiola.
O café-da-manhã com Charlie foi um evento silencioso. Ele me desejou
boa sorte na escola. Agradeci, sabendo que suas esperanças eram vãs. A boa
sorte geralmente me evitava. Charlie saiu primeiro para a delegacia, que
era sua esposa e sua família. Depois que ele partiu, fi quei sentada à velha
mesa quadrada de carvalho, em uma das três cadeiras que não combinavam,
e examinei a pequena cozinha, com as paredes escuras revestidas de madeira,
armários de um amarelo vivo e piso de linóleo branco. Nada havia
mudado. Minha mãe tinha pintado os armários dezoito anos atrás numa
tentativa de colocar algum raio de sol na casa. Acima da pequena lareira
na minúscula sala adjacente, havia uma fi leira de fotos. Primeiro, uma
foto do casamento de Charlie e minha mãe em Las Vegas; depois, uma de
nós três no hospital em que nasci, tirada por uma enfermeira prestativa,
seguida pela procissão das minhas fotos de escola até o ano passado. Era
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constrangedor olhar aquilo — eu teria de pensar no que poderia fazer para
que Charlie as colocasse em outro lugar, pelo menos enquanto eu morasse
aqui.
Era impossível não perceber que Charlie jamais superou a perda da minha
mãe ao fi car nesta casa. Isso me deixou pouco à vontade.
Não queria chegar cedo demais na escola, mas não conseguia mais fi car
ali. Vesti meu casaco — que era meio parecido com um traje de biossegurança
— e saí para a chuva.
Ainda estava chuviscando, não o sufi ciente para me ensopar enquanto
peguei a chave da casa, sempre escondida debaixo do beiral, e tranquei a
porta. O chapinhar das minhas novas botas impermeáveis era enervante.
Senti falta do habitual esmagar de cascalho enquanto andava. Não podia
parar e admirar minha picape novamente, como eu queria; estava com
pressa para sair da umidade nevoenta que envolvia minha cabeça e grudava
em meu cabelo por baixo do capuz.
Dentro da picape estava agradável e seco. Billy, ou Charlie, obviamente
tinha feito uma limpeza, mas os bancos com estofado caramelo ainda
cheiravam levemente a tabaco, gasolina e hortelã. Para meu alívio o motor
pegou rapidamente, mas era barulhento, rugindo para a vida e depois rodando
em um volume alto. Bom, uma picape dessa idade teria suas falhas.
O rádio antigo funcionava, um bônus que eu não esperava.
Não foi difícil encontrar a escola, embora eu nunca tivesse ido lá. Como
a maioria das outras coisas, fi cava perto da rodovia. Não parecia uma escola
— o que me fez parar foi a placa, que dizia ser a Forks High School.
Era um conjunto de casas iguais, construídas com tijolos marrons. Havia
tantas árvores e arbustos que no início não consegui calcular seu tamanho.
Onde estava o espírito da instituição?, perguntei-me com nostalgia. Onde
estavam as cercas de tela, os detetores de metal?
Estacionei na frente do primeiro prédio, que tinha uma plaquinha acima
da porta dizendo secretaria. Ninguém mais havia estacionado ali,
então eu certamente estava em local proibido, mas decidi me informar lá
dentro em vez de fi car dando voltas na chuva feito uma idiota. Saí sem
vontade nenhuma da cabine da picape enferrujada e andei por um pequeno
caminho de pedra ladeado por uma cerca viva escura. Respirei fundo antes
de abrir a porta.
Lá dentro o ambiente era bem iluminado e mais quente do que eu
imaginava. O escritório era pequeno; uma salinha de espera com cadei-
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ras dobráveis acolchoadas, carpete laranja manchado, recados e prêmios
atravancando as paredes, um relógio grande tiquetaqueando alto. Havia
plantas em toda parte em vasos grandes de plástico, como se não houvesse
verde sufi ciente do lado de fora. A sala era dividida ao meio por um balcão
comprido, abarrotado de cestos de arame cheios de papéis e folhetos de
cores vivas colados na frente. Havia três mesas atrás do balcão, uma delas
ocupada por uma ruiva grandalhona de óculos. Ela vestia uma camiseta
roxa que de imediato fez com que eu me sentisse produzida demais.
A ruiva olhou para mim.
— Posso ajudá-la?
— Meu nome é Isabella Swan — informei-lhe, e logo vi a atenção iluminar
seus olhos. Eu era esperada, um assunto de fofoca, sem dúvida. A fi lha
da ex-mulher leviana do chefe de polícia fi nalmente voltara para casa.
— É claro — disse ela. E cavucou uma pilha instável de documentos na
mesa até encontrar o que procurava. — Seu horário está bem aqui, e há um
mapa da escola. — Ela trouxe várias folhas ao balcão para me mostrar.
Ela indicou minhas salas de aula, destacando a melhor rota para cada
uma delas no mapa, e me deu uma caderneta que cada professor teria que
assinar e que eu traria de volta no fi nal do dia. Ela sorriu para mim e me
desejou, como Charlie, que eu gostasse daqui de Forks. Sorri também, da
maneira mais convincente que pude.
Quando voltei à picape, outros alunos começavam a chegar. Dirigi pela
escola, seguindo o trânsito. Fiquei feliz em ver que os carros, em sua maioria,
eram mais velhos que o meu, nada chamativo. Em Phoenix, eu morava
em um dos poucos bairros de baixa renda incluídos no distrito de Paradise
Valley. Era comum ver um Mercedes ou um Porsche novo no estacionamento
dos alunos. O carro mais legal aqui era um Volvo reluzente, e este
se destacava. Ainda assim, desliguei o motor logo que cheguei a uma vaga
para que o barulho estrondoso não chamasse a atenção para mim.
Olhei o mapa na picape, tentando agora memorizá-lo; esperava não ter
que andar com ele diante do nariz o dia todo. Enfi ei tudo na bolsa, passei
a alça no ombro e respirei bem fundo. Eu vou conseguir, menti para mim
mesma debilmente. Ninguém ia me morder. Por fi m soltei o ar e saí da
picape.
Mantive a cara escondida pelo capuz ao andar para a calçada, apinhada
de adolescentes. Meu casaco preto e simples não chamava a atenção, como
percebi com alívio.
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Depois de chegar ao refeitório, foi fácil localizar o prédio três. Um grande
“3” estava pintado em preto num quadrado branco no canto leste. Senti
aos poucos que começava a ofegar à medida que me aproximava da entrada.
Tentei prender a respiração enquanto seguia duas capas de chuva unissex
pela porta.
A sala de aula era pequena. As pessoas na minha frente pararam junto
à porta para pendurar os casacos em uma longa fi leira de ganchos. Imiteias.
Havia duas meninas, uma loura com a pele cor de porcelana, a outra
igualmente pálida, com cabelo castanho-claro. Pelo menos minha pele não
se destacaria aqui.
Entreguei a caderneta ao professor, um careca alto cuja mesa tinha uma
placa identifi cando-o pelo nome, “Sr. Mason”. Ele me encarou surpreso
quando viu meu nome — não foi uma reação que me encorajasse — e
é claro que fi quei vermelha como um tomate. Mas pelo menos ele me
mandou sentar numa carteira vazia no fundo da sala, sem me apresentar à
turma. Era mais difícil para meus novos colegas me encarar lá atrás, mas
de algum jeito eles conseguiram. Mantive os olhos baixos na bibliografi a
que o professor me dera. Era bem básica: Brontë, Shakespeare, Chaucer,
Faulkner. Eu já lera tudo. Isso era reconfortante... e entediante. Imaginei
se minha mãe me mandaria minha pasta com os trabalhos antigos, ou se
ela pensaria que isso era trapaça. Tive várias discussões com ela em minha
cabeça enquanto o professor falava monotonamente.
Quando tocou o sinal, uma buzina anasalada, um garoto magricela com
problemas de pele e cabelo preto feito uma mancha de óleo se inclinou
para falar comigo.
— Você é Isabella Swan, não é? — Ele parecia direitinho o tipo prestativo
de clube de xadrez.
— Bella — corrigi. Todo mundo num raio de três carteiras se virou para
me olhar.
— Qual é a sua próxima aula? — perguntou ele.
Tive que olhar na minha bolsa.
— Hmmm, educação cívica, com Jefferson, no prédio seis.
Para onde quer que eu me virasse, encontrava olhos curiosos.
— Vou para o prédio quatro, posso mostrar o caminho... — Sem dúvida,
superprestativo. — Meu nome é Eric — acrescentou ele.
Eu sorri, insegura.
— Obrigada.
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Pegamos nossos casacos e fomos para a chuva, que tinha aumentado. Eu
podia jurar que várias pessoas atrás de nós se aproximavam o bastante para
ouvir o que dizíamos. Esperava não estar fi cando paranóica.
— E aí, isto é bem diferente de Phoenix, não é? — perguntou ele.
— Muito.
— Não chove muito lá, não é?
— Três ou quatro vezes por ano.
— Puxa, como deve ser isso? — maravilhou-se ele.
— Ensolarado — eu lhe disse.
— Você não é muito bronzeada.
— Minha mãe é meio albina.
Apreensivo, ele examinou meu rosto, e eu suspirei. Parecia que nuvens e
senso de humor não se misturavam. Alguns meses disso e eu me esqueceria
de como usar o sarcasmo.
Voltamos pelo refeitório até os prédios do sul, perto do ginásio. Eric me
levou à porta, embora tivesse uma placa bem evidente.
— Então, boa sorte — disse ele enquanto eu pegava a maçaneta. — Talvez
a gente tenha mais alguma aula juntos. — Ele parecia ter esperanças.
Sorri vagamente para ele e entrei.
O resto da manhã se passou do mesmo jeito. Meu professor de trigonometria,
o Sr. Varner, que de qualquer forma eu teria odiado por causa da
matéria que ensinava, foi o único que me fez parar diante da turma para
me apresentar. Eu gaguejei, corei e tropecei em minhas próprias botas ao
seguir para a minha carteira.
Depois de duas aulas, comecei a reconhecer várias rostos em cada turma.
Sempre havia alguém mais corajoso do que os outros, que se apresentava e
me perguntava se eu estava gostando de Forks. Tentei ser diplomática, mas
na maioria das vezes apenas menti. Pelo menos não precisei do mapa.
Uma menina se sentou ao meu lado nas aulas de trigonometria e espanhol
e me acompanhou até o refeitório na hora do almoço. Era baixinha,
vários centímetros menor do que meu metro e sessenta e três, mas o cabelo
escuro, rebelde e cacheado compensava grande parte da diferença entre
nossas alturas. Não conseguia me lembrar do nome dela, então eu sorria
e assentia enquanto ela tagarelava sobre professores e aulas. Não tentei
acompanhá-la.
Sentamos à ponta de uma mesa cheia de vários de seus amigos, que ela
me apresentou. Esqueci o nome de todos assim que ela os pronunciou. Eles
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pareceram impressionados com sua coragem de falar comigo. O menino da
aula de inglês, Eric, acenou para mim do outro lado do salão.
Foi ali, sentada no refeitório, tentando conversar com sete estranhos
curiosos, que eu os vi pela primeira vez.
Estavam sentados no canto do refeitório, à maior distância possível de
onde eu me encontrava no salão comprido. Eram cinco. Não estavam conversando
e não comiam, embora cada um deles tivesse uma bandeja cheia
e intocada diante de si. Não me encaravam, ao contrário da maioria dos
outros alunos, por isso era seguro observá-los sem temer encontrar um par
de olhos excessivamente interessados. Mas não foi nada disso que atraiu e
prendeu minha atenção.
Eles não eram nada parecidos. Dos três meninos, um era grandalhão —
musculoso como um halterofi lista inveterado, com cabelo escuro e crespo.
Outro era mais alto, mais magro, mas ainda assim musculoso, e tinha
cabelo louro cor de mel. O último era esguio, menos forte, com um cabelo
desalinhado cor de bronze. Era mais juvenil do que os outros, que pareciam
poder estar na faculdade ou até ser professores daqui, em vez de alunos.
As meninas eram o contrário. A alta era escultural. Linda, do tipo que se
via na capa da edição de trajes de banho da Sports Illustrated, do tipo que
fazia toda garota perto dela sentir um golpe na auto-estima só por estar no
mesmo ambiente. O cabelo era dourado, caindo delicadamente em ondas
até o meio das costas. A menina baixa parecia uma fada, extremamente
magra, com feições miúdas. O cabelo era de um preto intenso, curto, picotado
e desfi ado para todas as direções.
E, no entanto, todos eram de alguma forma parecidos. Cada um deles
era pálido como giz, os alunos mais brancos que viviam nesta cidade sem
sol. Mais brancos do que eu, a albina. Todos tinham olhos muito escuros,
apesar da variação de cor dos cabelos. Também tinham olheiras — arroxeadas,
em tons de hematoma. Como se tivessem passado uma noite insone, ou
estivessem se recuperando de um nariz quebrado. Mas os narizes, todos os
seus traços, eram retos, perfeitos, angulosos.
Mas não era por nada disso que eu não conseguia desgrudar os olhos
deles.
Fiquei olhando porque seus rostos, tão diferentes, tão parecidos, eram
completa, arrasadora e inumanamente lindos. Eram rostos que não se esperava
ver a não ser talvez nas páginas reluzentes de uma revista de moda. Ou
pintados por um antigo mestre como a face de um anjo. Era difícil decidir
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quem era o mais bonito — talvez a loura perfeita, ou o garoto de cabelo
cor de bronze.
Todos pareciam distantes — distantes de cada um ali, distantes dos
outros alunos, distantes de qualquer coisa em particular, pelo que eu podia
notar. Enquanto eu observava, a garota baixinha se levantou com a bandeja
— o refrigerante fechado, a maçã sem uma dentada — e se afastou com
passos longos, rápidos e graciosos apropriados para uma passarela. Fiquei
olhando, surpresa com seus passos de dança, até que ela largou a bandeja
no lixo e seguiu para a porta dos fundos, mais rápido do que eu teria pensado
ser possível. Meus olhos dispararam de volta aos outros, que fi caram
sentados, impassíveis.
— Quem são eles? — perguntei à garota da minha turma de espanhol,
cujo nome eu esquecera.
Enquanto ela olhava para ver do que eu estava falando — embora já
soubesse, provavelmente, pelo meu tom de voz —, de repente ele olhou
para ela, o mais magro, o rapaz juvenil, o mais novo, talvez. Ele olhou para
minha vizinha só por uma fração de segundo, e depois seus olhos escuros
fulguraram para mim.
Ele desviou os olhos rapidamente, mais rápido do que eu, embora, em
um jorro de constrangimento, eu tenha baixado o olhar de imediato. Naquele
breve olhar, seu rosto não transmitiu nenhum interesse — era como
se ela tivesse chamado o nome dele, e ele a olhasse numa reação involuntária,
já tendo decidido não responder.
Minha vizinha riu sem graça, olhando a mesa como eu.
— São Edward e Emmett Cullen, e Rosalie e Jasper Hale. A que saiu é
Alice Cullen. Todos moram com o Dr. Cullen e a esposa. — Ela disse isso
à meia-voz.
Olhei de lado para o rapaz bonito, que agora fi tava a própria bandeja,
desfazendo um pãozinho em pedaços com os dedos pálidos e longos. Sua
boca se movia muito rapidamente, os lábios perfeitos mal se abrindo. Os
outros três ainda pareciam distantes e, no entanto, eu sentia que ele estava
falando em voz baixa com eles.
Nomes estranhos e incomuns, pensei. O tipo de nome que têm os avós.
Mas talvez seja moda por aqui — nomes de cidades pequenas? Finalmente
me lembrei de que minha vizinha se chamava Jessica, um nome perfeitamente
comum. Havia duas meninas que se chamavam Jessica na minha
turma de história, na minha cidade.
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— Eles são... muito bonitos. — Lutei com a patente atenuação da verdade.
— É — concordou Jessica com outra risada. — Mas todos estão juntos...
Emmett e Rosalie, e Jasper e Alice, quero dizer. E eles moram juntos. —
Sua voz trazia toda a condenação e o choque da cidade pequena, pensei
criticamente. Mas, para ser sincera, tenho que admitir que até em Phoenix
isso provocaria fofocas.
— Quem são os Cullen? — perguntei. — Eles não parecem parentes...
— Ah, e não são. O Dr. Cullen é bem novo, tem uns vinte e tantos ou
trinta e poucos anos. Todos foram adotados. Os Hale são mesmo irmãos, gêmeos...
os louros... e são fi lhos adotivos.
— Parecem meio velhos para fi lhos adotivos.
— Agora são, Jasper e Rosalie têm 18 anos, mas estão com a Sra. Cullen
desde que tinham 8 anos. Ela é tia deles ou coisa assim.
— Isso é bem legal... Eles cuidarem de todas essas crianças, quando
eram tão pequenos e tudo isso.
— Acho que sim — admitiu Jessica com relutância, e tive a impressão
de que por algum motivo ela não gostava do médico e da esposa. Com os
olhares que ela atirava aos fi lhos adotivos, eu imaginava que o motivo era
inveja. — Mas acho que a Sra. Cullen não pode ter fi lhos — acrescentou
ela, como se isso diminuísse sua bondade.
Em toda essa conversa, meus olhos disparavam sem parar para a mesa
onde se acomodava a estranha família. Eles continuavam a olhar para as
paredes e não comiam.
— Eles sempre moraram em Forks? — perguntei. Certamente eu os
teria percebido em um dos verões aqui.
— Não — disse ela numa voz que dava a entender que isso devia ser
óbvio, até para uma recém-chegada como eu. — Só se mudaram há dois
anos, vindos de algum lugar do Alasca.
Senti uma onda de pena, e também alívio. Pena porque, apesar de lindos,
eles eram de fora, e claramente não eram aceitos. Alívio por eu não ser
a única recém-chegada por aqui, e certamente não ser a mais interessante,
por qualquer padrão.
Enquanto eu os examinava, o mais novo, um dos Cullen, virou-se e encontrou
meu olhar, desta vez com uma expressão de evidente curiosidade.
Quando desviei os olhos rapidamente, me pareceu que o olhar dele trazia
uma espécie de expectativa frustrada.
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— Quem é o garoto de cabelo ruivo? — perguntei. Eu o espiei pelo
canto do olho e ele ainda estava me encarando, mas não aparvalhado como
os outros alunos. Tinha uma expressão meio frustrada. Olhei para baixo
novamente.
— É o Edward. Ele é lindo, é claro, mas não perca seu tempo. Ele não
namora. Ao que parece, nenhuma das meninas daqui é bonita o bastante
para ele. — Ela fungou, um caso claro de dor-de-cotovelo. Eu me perguntei
quando é que ele a tinha rejeitado.
Mordi o lábio para esconder meu sorriso. Depois olhei para ele de novo.
Seu rosto estava virado para o outro lado, mas achei que sua bochecha parecia
erguida, como se ele também estivesse sorrindo.
Depois de mais alguns minutos, os quatro saíram da mesa juntos. Todos
eram muito elegantes — até o grandalhão de cabelo castanho. Era
perturbador de ver. O garoto chamado Edward não olhou novamente
para mim.
Fiquei sentada à mesa com Jessica e os amigos dela por mais tempo do
que teria fi cado se eu estivesse sozinha. Estava ansiosa para não me atrasar
para as aulas no meu primeiro dia. Uma de minhas novas conhecidas, que
me lembrava repetidamente de que seu nome era Angela, tinha biologia
ii comigo no próximo tempo. Seguimos juntas em silêncio para a sala. Ela
também era tímida.
Quando entramos na sala, Angela foi se sentar em uma carteira de tampo
preto exatamente como aquelas que eu costumava usar. Ela já tinha
uma vizinha. Na verdade, todas as cadeiras estavam ocupadas, exceto uma.
Ao lado do corredor central, reconheci Edward Cullen por seu cabelo incomum,
sentado ao lado daquele lugar vago.
Enquanto eu andava pelo corredor para me apresentar ao professor e
conseguir que assinasse minha caderneta, eu o observava furtivamente. Assim
que passei, ele de repente fi cou rígido em seu lugar. Ele me encarou
novamente, encontrando meus olhos com a expressão mais estranha do
mundo — era hostil, furiosa. Desviei os olhos rapidamente, chocada, ruborizando
de novo. Tropecei em um livro no caminho e tive que me apoiar
na beira de uma mesa. A menina sentada ali riu.
Percebi que os olhos dele eram pretos — pretos como carvão.
O Sr. Banner assinou minha caderneta e me passou um livro, sem nenhum
dos absurdos das apresentações. Eu podia dizer que íamos nos dar
bem. É claro que ele não teve alternativa a não ser me mandar para o lugar
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vago no meio da sala. Mantive os olhos baixos enquanto fui me sentar ao
lado dele, desconcertada pelo olhar hostil que ele me lançava.
Não olhei para cima ao colocar os livros na carteira e tomar meu lugar,
mas, pelo canto do olho, vi sua postura mudar. Ele estava inclinado para
longe de mim, sentado na ponta da cadeira, e desviava o rosto como se
sentisse algum fedor. Imperceptivelmente, cheirei meu cabelo. Tinha cheiro
de morango, o aroma de meu xampu preferido. Parecia um odor bem
inocente. Deixei meu cabelo cair no ombro direito, criando uma cortina
escura entre nós, e tentei prestar atenção no professor.
Infelizmente a aula era sobre anatomia celular, uma coisa que eu já estudara.
De qualquer modo, tomei notas cuidadosamente, sempre olhando
para baixo.
Não conseguia deixar de espiar de vez em quando, através da tela de
meus cabelos, o estranho garoto sentado ao meu lado. Durante toda a aula,
ele não relaxou um minuto da postura rígida na ponta da cadeira, sentando-
se o mais distante possível de mim. Eu podia ver que suas mãos na
perna esquerda estavam fechadas em punho, os tendões sobressaindo por
baixo da pele clara. Isso também ele não relaxou. Estava com as mangas
compridas da camisa branca enroladas até o cotovelo e o braço era surpreendentemente
rijo e musculoso sob a pele clara. Ele não era nem de longe
frágil como parecia ao lado do irmão mais forte.
A aula parecia se arrastar mais do que as outras. Seria porque o dia
fi nalmente estava chegando ao fi m, ou porque eu esperava que o punho
dele relaxasse? Não aconteceu: ele continuou sentado tão imóvel que
nem parecia respirar. Qual era o problema dele? Será que este era seu
comportamento normal? Questionei a avaliação que fi z da amargura de
Jessica no almoço de hoje. Talvez ela não fosse tão ressentida quanto eu
pensava.
Isso não podia ter nada a ver comigo. Até hoje ele nem me conhecia.
Eu o espiei mais uma vez e me arrependi disso. Ele agora me encarava
de cima, os olhos pretos cheios de repugnância. Enquanto eu me afastava,
encolhendo-me na cadeira, de repente passou por minha cabeça a expressão
como se pudesse me matar.
Naquele momento, o sinal tocou alto, fazendo-me pular, e Edward Cullen
estava fora de sua carteira. Com fl uidez, ele se levantou de costas para
mim — era muito mais alto do que eu pensava — e estava do lado de fora
da porta antes que qualquer outro tivesse saído da carteira.
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Fiquei paralisada no meu lugar, encarando inexpressiva as costas dele.
Era tão mesquinho. Não era justo. Comecei a pegar minhas coisas devagar,
tentando bloquear a raiva que se espalhava em mim, com medo de que
meus olhos se enchessem de lágrimas. Por algum motivo, minha ira era
canalizada para meus dutos lacrimais. Normalmente, eu chorava quando
estava com raiva, uma tendência humilhante.
— Você não é a Isabella Swan? — perguntou uma voz de homem.
Olhei para cima e vi um rapaz bonitinho com cara de bebê, o cabelo
louro-claro cuidadosamente penteado com gel em pontas arrumadinhas,
sorrindo para mim de maneira simpática. Ele obviamente não achava que
eu cheirava mal.
— Bella — eu o corrigi, com um sorriso.
— Meu nome é Mike.
— Oi, Mike.
— Precisa de ajuda para encontrar sua próxima aula?
— Vou para a educação física. Acho que posso encontrar o caminho.
— É minha próxima aula também. — Ele parecia impressionado, mas
não era uma coincidência assim tão grande numa escola tão pequena.
Fomos para a aula juntos. Ele era um tagarela — alimentou a maior parte
da conversa, o que facilitou minha vida. Tinha morado na Califórnia até os 10
anos, então sabia como eu me sentia com relação ao sol. Por acaso também era
meu colega na aula de inglês. Ele foi a pessoa mais legal que conheci hoje.
Mas enquanto entrávamos no ginásio, ele perguntou:
— E aí, você furou o Edward Cullen com um lápis ou o quê? Nunca o
vi agir daquele jeito.
Eu me encolhi. Então não fui a única a perceber. E ao que parecia aquele não
era o comportamento habitual de Edward Cullen. Decidi me fazer de burra.
— Era o garoto do meu lado na aula de biologia? — perguntei naturalmente.
— Era — disse ele. — Parecia estar sentindo alguma dor ou coisa assim.
— Não sei — respondi. — Nunca falei com ele.
— Ele é um cara estranho. — Mike se demorou ao meu lado em vez de
ir para o vestiário. — Se eu tivesse a sorte de me sentar do seu lado, conversaria
com você.
Eu sorri para ele antes de ir para a porta do vestiário feminino. Ele era
simpático e estava na cara que gostava de mim. Mas não foi o sufi ciente
para atenuar minha irritação.
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O professor de educação física, treinador Clapp, encontrou um uniforme
para mim mas não me fez vesti-lo para a aula de hoje. Em Phoenix, só
exigiam dois anos de educação física. Aqui, a matéria era obrigatória nos
quatro anos. Forks literalmente era meu inferno particular na Terra.
Fiquei assistindo a quatro partidas de vôlei que aconteciam simultaneamente.
Lembrando quantas lesões eu sofri — e infl igi — jogando vôlei, me
senti meio nauseada.
O último sinal fi nalmente tocou. Andei devagar para a secretaria para
entregar minha caderneta. A chuva tinha ido embora, mas o vento era forte
e mais frio. Eu me abracei.
Ao entrar no escritório aquecido, quase me virei e voltei para fora.
Edward Cullen estava parado junto à mesa na minha frente. Reconheci
de novo aquele cabelo bronze desgrenhado. Ele não pareceu ter ouvido
minha entrada. Fiquei encostada na parede de trás, torcendo para que a
recepcionista fi casse livre.
Ele estava discutindo com ela numa voz baixa e cativante. Rapidamente
peguei a essência da discussão. Ele tentava trocar o horário de biologia por
qualquer outro horário – qualquer outro.
Não consegui acreditar que fosse por minha causa. Tinha de ser outra
coisa, algo que acontecera antes de eu entrar na sala de aula. A expressão
dele devia ter sido por outro aborrecimento totalmente diferente. Era impossível
que este estranho pudesse ter uma repulsa tão súbita e intensa por
mim.
A porta se abriu de novo e de repente uma rajada do vento frio entrou
pela sala, espalhando os papéis na mesa, jogando meu cabelo na cara. A
menina que entrava limitou-se a ir até a mesa, colocou um bilhete na cesta
de arame e saiu novamente. Mas Edward Cullen se enrijeceu de novo e se
virou lentamente para olhar para mim — o rosto era absurdamente lindo
— com olhos penetrantes e cheios de ódio. Por um momento, senti um arrepio
de puro medo, que eriçou os pêlos de meus braços. O olhar só durou
um segundo, mas me gelou mais do que o vento frio. Ele voltou a se virar
para a recepcionista.
— Então deixa para lá — disse asperamente numa voz de veludo. —
Estou vendo que é impossível. Muito obrigado por sua ajuda. — Virou-se
sem olhar para mim, desaparecendo porta afora.
Fui humildemente até a mesa, minha cara branca de imediato fi cando
vermelha, e entreguei a caderneta assinada.
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— Como foi seu primeiro dia, querida? — perguntou a recepcionista
num tom maternal.
— Bom — menti, a voz fraca. Ela não pareceu se convencer.
Quando fui para a picape, era quase o último carro no estacionamento.
Parecia um abrigo, a coisa mais próxima de uma casa que eu tinha neste
buraco verde e úmido. Fiquei sentada lá dentro por um tempo, só olhando,
sem enxergar pelo pára-brisa. Mas logo estava frio o bastante para precisar
do aquecedor, virei a chave e o motor rugiu. Voltei para a casa de Charlie,
lutando com as lágrimas por todo o caminho até lá.

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