amanhecer

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PRÓLOGO
Eu já tivera mais do que uma quota justa de experiências de
quase morte; isso não é algo com que você se acostume.
Mas parecia estranhamente inevitável enfrentar a morte outra vez. Como
se eu estivesse mesmo marcada para o desastre. Eu havia escapado repetidas
vezes, mas ela continuava me rondando.
Ainda assim, dessa vez foi diferente.
Pode-se correr de alguém de quem se tenha medo; pode-se tentar lutar
com alguém que se odeie. Todas as minhas reações eram preparadas para
aqueles tipos de assassinos — os monstros, os inimigos.
Mas quando se ama aquele que vai matá-la, não lhe restam alternativas.
Como se pode correr, como se pode lutar, quando essa atitude magoaria o amado?
Se sua vida é tudo o que você tem para dar ao amado, como não dá-la?
Quando ele é alguém que você ama de verdade.
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1. NOIVA
NINGUÉM ESTÁ OLHANDO PARA VOCÊ, garanti a mim mesma. NINGUÉM
está olhando para você. Ninguém está olhando para você.
Como eu não conseguia mentir para mim mesma, tive de verificar.
Enquanto esperava que um dos três sinais de trânsito da cidade abrisse,
olhei para a direita — na minivan, a Sra. Weber tinha se virado toda para me
olhar. Os olhos perfuravam os meus e eu me encolhi, perguntando-me por que
ela não virava a cara, não parecia constrangida. Encarar as pessoas continuava
sendo falta de educação? Isso não se aplicava mais a mim?
Depois me lembrei de que aquelas janelas eram tão escuras que ela não
devia fazer idéia de que era eu ali, e menos ainda ter me flagrado olhando de
volta. Tentei me reconfortar um pouco com o fato de que ela não estava encarando
a mim, só o carro.
Meu carro. Suspiro.
Olhei para a esquerda e gemi. Dois pedestres estavam paralisados na calçada,
perdendo a oportunidade de atravessar enquanto fitavam o carro. Atrás
deles, o Sr. Marshall olhava feito um bobo pela vitrine de sua lojinha de suvenires.
Pelo menos não estava com o nariz espremido no vidro. Ainda.
O sinal ficou verde e, na pressa para fugir daquilo, pisei fundo no acelerador
sem pensar — como normalmente teria feito para colocar em movimento
minha antiga picape Chevy.
O motor rugiu como uma pantera caçando, o carro deu um solavanco tão
abrupto para a frente que meu corpo bateu no encosto do banco de couro preto
e meu estômago se achatou na coluna.
— Ai! — Resmunguei ao me atrapalhar com o freio. Para evitar problemas,
apenas encostei no pedal. O carro balançou e ficou completamente imóvel.
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Não consegui olhar a reação ao meu redor. Se houvesse alguma dúvida de
quem estava dirigindo o carro, ela se acabara. Com a ponta do sapato, cutuquei
o pedal do acelerador meio milímetro e o carro se lançou para a frente de
novo.
Consegui chegar ao meu objetivo, o posto de gasolina. Se não tivesse ficando
sem combustível, não teria vindo à cidade. Estava sem muita coisa ultimamente,
como Pop-Tarts e cadarços de sapatos, porque não queria aparecer em público.
Agindo como se estivesse numa corrida, abri a tampa do tanque, passei o
cartão e encaixei a mangueira de combustível em segundos. É claro que não
havia nada que eu pudesse fazer para que os números no medidor se acelerassem.
Eles mudavam lentamente, quase como se quisessem me irritar.
Não era um dia de sol — um típico dia chuvoso em Forks, Washington
—, mas eu ainda sentia que havia um holofote focado sobre mim, chamando
a atenção para a delicada aliança em minha mão esquerda. Em ocasiões como
aquela, sentido olhares nas minhas costas, parecia que a aliança piscava como
uma placa de néon. Olhem para mim, Olhem para mim.
Era idiotice ficar tão sem graça, e eu sabia disso. Além de meu pai e minha
mãe, será que importava mesmo o que as pessoas diziam sobre meu noivado?
Sobre meu carro novo? Sobre minha misteriosa admissão numa universidade
da Ivy League? Sobre o cartão de crédito preto e reluzente que agora parecia
arder no meu bolso de trás?
— É, quem liga para o que eles pensam? — murmurei.
— Hmmm, moça? — disse uma voz de homem.
Eu me virei e desejei não ter feito aquilo.
Dois homens estavam parados atrás de um 4X4 caro, com caiaques novos
em folha no rack. Nenhum deles olhava para mim; os dois fitavam o carro.
Pessoalmente, não entendi. Além disso, já estava orgulhosa de conseguir
distinguir os logos da Toyota, da Ford e da Chevy. Aquele carro era preto, reluzente
e lindo, mas para mim ainda era só um carro.
— Desculpe incomodá-la, mas poderia me dizer que modelo é esse que está
dirigindo? — perguntou o alto.
— Hmmm, é uma Mercedes, não é?
— Sim — disse o homem com educação, enquanto o amigo mais baixo revirava
os olhos para a minha resposta. — Eu sei. Mas eu estava me perguntando...
Está dirigindo um Mercedes Guardian? — O homem disse o nome com
reverência. Tive a sensação de que o sujeito ia se dar bem com Edward Cullen,
meu... meu noivo (ultimamente não havia como fugir da verdade do casamen-
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to). — Eles ainda não devem estar disponíveis nem na Europa — continuou o
homem —, que dirá aqui.
Enquanto meus olhos acompanhavam as linhas do meu carro — não me
parecia muito diferente de outros sedãs Mercedes, mas o que eu entendia do
assunto? —, contemplei brevemente meus problemas com palavras como noivo,
casamento, marido etc.
Eu não conseguia me entender com aquilo.
Por um lado, fui criada para me encolher só de pensar em vestidos e buquês
de noiva. Mais do que isso, porém, eu não conseguia harmonizar um conceito
sóbrio, respeitável e obtuso como marido com meu conceito de Edward. Era
como imaginar um arcanjo como um contador; eu não o conseguia visualizar
em nenhum papel comum.
Como sempre, assim que comecei a pensar em Edward, fui tomada de fantasias
vertiginosas. O estranho teve de dar um pigarro para chamar minha atenção;
ainda esperava por uma resposta sobre a fabricação e o modelo do carro.
— Não sei — eu lhe disse com sinceridade.
— Posso tirar uma foto dele?
Precisei de um segundo para processar aquilo.
— É mesmo? Quer tirar uma foto do carro?
— Claro... Ninguém vai acreditar em mim se eu não tiver a prova.
— Hmmm. Tudo bem. Pode tirar.
Rapidamente tirei a mangueira de gasolina e me esgueirei para o banco da
frente a fim de me esconder enquanto o cara fissurado pegava na mochila uma
câmera que parecia profissional. Ele e o amigo se revezavam posando junto ao
capô e depois tiraram fotos da traseira.
— Estou com saudade da minha picape — choraminguei comigo mesma.
Mas era mesmo muito conveniente — conveniente demais — que minha
picape desse seu último suspiro semanas depois de Edward e eu concordarmos
com nosso acordo torto, e um detalhe do acordo era que Edward podia substituir
minha picape quando ela morresse. Ele jurou que era apenas o esperado;
que a picape teve uma vida plena e longa e depois faleceu de causas naturais.
Isso é o que ele diz. E, é claro, eu não tinha como verificar sua história ou tentar,
sozinha, levantar a picape dos mortos. Meu mecânico preferido...
Parei nesse pensamento, recusando-me a levá-lo a uma conclusão. Em vez
disso, ouvi as vozes dos homens do lado de fora, abafadas pelos muros do carro.
— ... atacado com um lança-chamas num vídeo online. Nem enrugou a
pintura.
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— É claro que não. Até dá para passar com um tanque por cima desse bebê.
Mas não tem muito mercado por aqui. Projetado principalmente para diplomatas
do Oriente Médio, traficantes de armas e chefões das drogas.
— Acha que ela é alguma coisa? — perguntou o mais baixo num tom mais
delicado. Eu baixei a cabeça com o rosto em brasa.
— Hmmm — disse o alto. — Talvez. Nem imagino para que alguém
precisa de vidro à prova de mísseis e duzentos quilos de blindagem por aqui.
Deve estar indo a um lugar mais perigoso.
Blindagem. Duzentos quilos de blindagem. E vidro à prova de mísseis? Que
ótimo. O que aconteceu com o bom e velho vidro à prova de balas?
Bom, pelo menos isso fazia algum sentido — para quem tem um senso de
humor meio distorcido.
Não é que eu não esperasse que Edward tirasse proveito de nosso acordo,
pesando a balança para o lado dele, dando-me muito mais do que receberia.
Eu concordei que ele substituiria minha picape quando fosse necessário, sem
esperar que esse momento viesse tão cedo, é claro. Quando fui obrigada a admitir
que a picape não passava de um tributo em natureza-morta aos Chevys
clássicos no meu meio-fio, eu sabia que ficaria constrangida com a idéia que
ele fazia de substituição. Ia me tornar o foco de olhares e cochichos. Eu tinha
razão quanto a essa parte. Mas mesmo em minha imaginação mais doentia eu
não previ que ele me daria dois carros.
O carro de “antes” e o carro de “depois”, explicou-me ele quando eu me
assustei.
Esse era só o carro de “antes”. Ele me disse que era emprestado e prometeu
que devolveria depois do casamento. Não fazia nenhum sentido para mim. Até
então.
Rá rá. Ao que parecia, porque eu era frágil de tão humana, tendia tanto a
me acidentar, tão vítima de minha própria falta de sorte perigosa, precisava de
um carro que resistisse a tanques para me manter segura. Hilário. Tinha certeza
de que ele e os irmãos riram da piada pelas minhas costas.
Ou talvez, só talvez, sussurrou uma vozinha em minha cabeça, não seja uma
piada, sua boba. Talvez ele realmente se preocupe com você. Não seria a primeira vez que
ele exageraria um pouco tentando protegê-la.
Eu suspirei.
Ainda não vi o carro de “depois”. Estava escondido embaixo de uma lona
no canto mais distante da garagem dos Cullen. Eu sabia que àquela altura a
maioria das pessoas teria dado uma espiada, mas eu não queria.
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Provavelmente não haveria blindagem naquele carro — porque eu não precisaria
depois da lua-de-mel. A quase indestrutibilidade era só uma das muitas
vantagens a que eu ansiava. O melhor de ser uma Cullen não eram os carros
caros e cartões de crédito impressionantes.
— Ei — chamou o alto, colocando as mãos em concha no vidro, tentando
me enxergar. — Já acabamos. Muito obrigado!
— Não há de quê — eu disse, depois fiquei tensa enquanto ligava o motor
e pisava no pedal — muito delicadamente...
Não importava quantas vezes eu tivesse dirigido pela conhecida estrada
para casa, eu ainda não conseguia fazer com que os cartazes desbotados pela
chuva desaparecessem ao fundo. Cada um deles, colados nos postes telefônicos
e em placas de rua, era como um novo tapa na cara. Um merecido tapa na cara.
Minha mente foi levada de volta ao pensamento que interrompi tão rapidamente.
Eu não conseguia evitar aquela estrada. Não com as imagens de meu
mecânico preferido voando por mim a intervalos regulares.
Meu melhor amigo. Meu Jacob.
você viu esse garoto? Os cartazes não foram idéia do pai de Jacob. Foram
do meu pai, Charlie, que os imprimiu e espalhou por toda a cidade. E não
só por Forks, mas por Port Angeles, Sequim, Hoquiam, Aberdeen e em cada
cidade da península de Olympic. Ele se assegurou de que todas as delegacias
no estado de Washington tivessem o mesmo cartaz pendurado na parede.
Sua própria delegacia tinha um quadro de cortiça, especialmente dedicado a
encontrar Jacob. Um quadro de cortiça que estava praticamente vazio, para
decepção e frustração dele.
Meu pai não estava decepcionado só com a falta de resposta. Estava muito
decepcionado com Billy, o pai de Jacob — e melhor amigo de Charlie.
Porque Billy não está envolvido nas buscas por seu filho “foragido” de 16
anos. Porque Billy se recusa a colocar os cartazes em La Push, a reserva na costa
que era o lar de Jacob. Porque ele parece ter se resignado com o desaparecimento
de Jacob, como se não houvesse nada que pudesse fazer. Por ele dizer:
“Agora Jacob é adulto. Se quiser, ele vai voltar para casa.”
E ele estava frustrado comigo, por ficar do lado de Billy.
Eu também não colocaria os cartazes. Porque Billy e eu sabíamos mais ou menos
onde Jacob estava e também sabíamos que ninguém tinha visto aquele garoto.
Os cartazes me deram o habitual nó na garganta, as habituais lágrimas
arderam em meus olhos, e fiquei feliz por Edward ter saído para caçar naquele
sábado. Edward ficaria péssimo se visse minha reação.
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É claro que havia desvantagens por ser sábado. Enquanto eu entrava devagar
e com cuidado na minha rua, pude ver a viatura de meu pai na entrada de
nossa casa. Não tinha ido pescar de novo. Ainda chateado com o casamento.
Então eu não ia conseguir usar o telefone de casa. Mas precisava telefonar...
Estacionei no meio-fio atrás da escultura de Chevy e peguei no porta-luvas
o celular que Edward me dera para as emergências. Disquei, mantendo o dedo
no botão “End” enquanto o telefone tocava. Só por garantia.
— Alô? — Seth Clearwater atendeu e eu suspirei de alívio. Eu era covarde
demais para falar com a irmã mais velha dele, Leah. A expressão “arrancar minha
cabeça” não era somente uma figura de linguagem quando se tratava dela.
— Oi, Seth. É a Bella.
— Ora, viva, Bella! Como você está?
Engasgada. Desesperada para que alguém me tranqüilize.
— Bem.
— Querendo saber das últimas?
— Você é um paranormal.
— Nem tanto. Não sou a Alice... Você é que é previsível — brincou ele.
Do grupo quileute de La Push, só Seth ficava à vontade em mencionar os
Cullen pelo nome, que dirá brincar com coisas como minha futura cunhada
onisciente.
— Sei que sou. — Hesitei por um minuto. — Como ele está?
Seth suspirou.
— O mesmo de sempre. Ele não fala, embora a gente saiba que ouve. Está
tentando não pensar como humano, sabe como é. Só seguir seus instintos.
— Sabe onde ele está agora?
— Em algum lugar ao norte do Canadá. Não sei lhe dizer que província.
Ele não presta muita atenção nas divisas entre os estados.
— Alguma sugestão de que ele possa...
— Ele não vai voltar, Bella. Desculpe.
Engoli em seco.
— Está tudo bem, Seth. Eu sabia antes mesmo de perguntar. Só não consigo
deixar de querer isso.
— É. Todos sentimos o mesmo.
— Obrigada por me suportar, Seth. Sei que os outros devem criar dificuldades
para você.
— Eles não são seus maiores fãs — concordou ele, descontraído. — Mas
eu acho meio idiota. Jacob tomou a decisão dele, você tomou a sua. O Jake
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mesmo não gostou da atitude deles com relação a isso. É claro que ele não
está superemocionado que você fique procurando saber dele também.
Eu arfei.
— Pensei que ele não estivesse falando com você.
— Ele não consegue esconder tudo de nós, por mais que tente.
Então Jacob sabia que eu estava preocupada. Eu não tinha certeza de como me
sentia com relação a isso. Bom, pelo menos ele sabia que eu não fugira ao pôr-do-sol
e me esquecera completamente dele. Podia ter imaginado que eu era capaz disso.
— Acho que verei você no... casamento — eu disse, obrigando a palavra a
sair por entre meus dentes.
— É, eu e minha mãe estaremos lá. Foi gentil de sua parte nos convidar.
Eu sorri com o entusiasmo na voz dele. A idéia de convidar os Clearwater
foi de Edward. Fiquei feliz que ele tenha pensado nisso. Ter Seth ali seria ótimo
— um elo, embora tênue, com meu padrinho desaparecido.
— Não seria o mesmo sem vocês.
— Diga a Edward que mandei lembranças, está bem?
— Pode ter certeza.
Eu sacudi a cabeça. A amizade que surgiu entre Edward e Seth era algo que
ainda me perturbava. Era uma prova, porém, de que as coisas não tinham de
ser daquele jeito. Que vampiros e lobisomens podiam conviver bem, muito
obrigada, sem se importarem com isso.
Nem todo mundo gostava dessa idéia.
— Ah — disse Seth, a voz subindo uma oitava. — Er, Leah chegou.
— Ah! Tchau!
O telefone ficou mudo. Deixei-o no banco e me preparei psicologicamente
para entrar em casa, onde Charlie estaria esperando.
Agora meu pobre pai tinha muito o que fazer. Jacob-o-fugitivo era só um
dos fardos em suas costas sobrecarregadas. Ele estava quase tão preocupado
comigo, sua filha que mal-era-legalmente-adulta e estava prestes a se tornar
uma senhora em alguns dias.
Andei lentamente pela chuva fina, lembrando-me da noite em que contei
a ele...
Ao ouvir a viatura de Charlie anunciando sua chegada, de repente a aliança
pesou cinqüenta quilos em meu dedo. Eu queria enfiar a mão esquerda
num bolso, ou talvez sentar nela, mas o aperto firme e frio de Edward a
mantinha à frente.
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— Deixe de ficar inquieta, Bella. Por favor, procure se lembrar de que não
vai confessar nenhum assassinato.
— Para você, é fácil falar.
Eu ouvi o som agourento das botas de meu pai batendo na calçada. A chave
sacudindo na porta já aberta. O som me lembrou daquela parte de um filme de
terror em que a vítima percebe que esqueceu de passar a tranca.
— Acalme-se, Bella — sussurrou Edward, ouvindo meu coração acelerar.
A porta bateu e eu me encolhi como se tivesse levado um tiro.
— Oi, Charlie — disse Edward, inteiramente relaxado.
— Não! — protestei em voz baixa.
— Que foi? — sussurrou Edward.
— Espere até ele pendurar a arma!
Edward riu e passou a mão livre em seu cabelo desgrenhado cor de bronze.
Charlie virou no corredor, ainda de uniforme, ainda armado, e tentou
não fazer uma careta quando nos viu sentados juntos no sofá de dois lugares.
Ultimamente ele andava despendendo muito esforço para gostar mais de
Edward. É claro que aquela revelação daria um fim imediato e certo a esse
esforço.
— Oi, meninos. O que foi?
— Gostaríamos de falar com você — disse Edward, muito sereno. — Temos
uma boa notícia.
A expressão de Charlie foi da amizade forçada à desconfiança sombria em
um segundo.
— Boa notícia? — resmungou Charlie, olhando diretamente para mim.
— Sente-se, pai.
Ele ergueu uma sobrancelha, fitando-me por uns cinco segundos, depois foi
até a cadeira reclinável e se sentou na beira, as costas retas feito uma tábua.
— Não fique agitado, pai — eu disse depois de um momento de silêncio
pesado. — Está tudo bem.
Edward fez uma careta e eu sabia que era em objeção às palavras tudo bem.
Ele teria usado algo como maravilhoso, perfeito ou glorioso.
— Claro que está, Bella, claro que está. Se tudo está tão bem, por que você
está suando em bicas?
— Eu não estou suando — menti.
Eu me afastei de sua careta feroz e me encolhi junto de Edward, e por instinto
passei as costas da mão direita na testa para retirar as provas.
— Você está grávida! — explodiu Charlie. — Está grávida, não é?
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Embora a pergunta claramente fosse dirigida a mim, ele agora fuzilava
Edward com os olhos e eu podia jurar ter visto a mão dele se retorcer na direção
da arma.
— Não! É claro que não! — Eu queria dar uma cotovelada nas costelas de
Edward, mas sabia que essa atitude só me provocaria um hematoma. Eu disse
a Edward que as pessoas chegariam a essa conclusão de imediato! Que outro
motivo haveria para pessoas sãs se casarem aos 18 anos? (A resposta dele me fez
revirar os olhos. Amor. Sei.)
O olhar de Charlie se iluminou um pouco. Em geral ficava muito claro no
meu rosto quando eu contava a verdade e ele agora acreditava em mim.
— Ah. Desculpe.
— Desculpas aceitas.
Houve uma longa pausa. Depois de algum tempo, percebi que todos esperavam
que eu dissesse alguma coisa. Tomada de pânico, olhei para Edward.
Não havia como eu conseguir pronunciar as palavras.
Ele sorriu para mim, endireitou os ombros e se virou para meu pai.
— Charlie, percebo que estou tratando disso da forma errada. Por tradição,
eu devia lhe pedir primeiro. Não é minha intenção desrespeitá-lo, mas uma
vez que Bella já disse sim e eu não quero diminuir sua decisão a esse respeito,
em vez de lhe pedir a mão dela, estou lhe pedindo sua bênção. Nós vamos nos
casar, Charlie, eu a amo mais do que qualquer coisa no mundo, mais do que
minha própria vida, e... por um milagre... ela me ama da mesma forma. Você
nos daria sua bênção?
Ele parecia tão seguro, tão calmo. Por um segundo, ouvindo a confiança
absoluta em sua voz, vivi um raro momento de insight. Eu podia ver, de modo
fugaz, como o mundo olhava para ele. Por uma batida do coração, essa notícia
fazia perfeito sentido.
E depois vi a expressão de Charlie, os olhos agora fixos na aliança.
Prendi a respiração enquanto sua pele mudava de cor — do branco para o
vermelho, do vermelho ao roxo, do roxo ao azul. Comecei a me levantar — não
sabia bem o que eu pretendia fazer; talvez usar a manobra de Heimlich para ter
certeza de que ele não sufocava — mas Edward apertou minha mão e murmurou:
“Dê-lhe um minuto”, tão baixo que só eu podia ouvir.
O silêncio dessa vez foi mais prolongado. Depois, aos poucos, tom por tom,
a cor de Charlie voltou ao normal. Seus lábios enrugaram e as sobrancelhas
franziram; reconheci sua expressão de “imerso em pensamentos”. Ele nos examinou
por um bom tempo e senti Edward relaxar ao meu lado.
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— Acho que não estou surpreso — grunhiu Charlie. — Eu sabia que teria
de lidar com algo assim muito em breve.
Eu expirei.
— Tem certeza disso? — perguntou Charlie, olhando para mim.
— Tenho completa certeza sobre Edward — eu lhe disse sem hesitar.
— Mas se casar? Por que a pressa? — Ele me olhou com desconfiança de
novo.
A pressa se devia ao fato de que eu estava me aproximando do décimo nono
aniversário a cada maldito dia, enquanto Edward permanecia paralisado em
toda sua perfeição de 17 anos, como era havia mais de noventa anos. Não que
esse fato significasse casamento em meu dicionário, mas o casamento era necessário
devido ao acordo delicado e complicado que Edward e eu fizemos para
finalmente chegar a esse ponto, à beira de minha transformação de mortal a
imortal.
Não eram coisas que eu pudesse explicar a Charlie.
— Vamos juntos para Dartmouth no outono, Charlie — lembrou-lhe
Edward. — Eu gostaria de fazer isso, bem, da maneira correta. Eu fui criado
assim. — Ele deu de ombros.
Ele não estava exagerando; na época da Primeira Guerra Mundial, a moral
era antiquada.
A boca de Charlie se retorceu de lado. Procurando um ângulo de onde argumentar.
Mas o que ele poderia dizer? Prefiro que vocês vivam em pecado primeiro?
Ele era pai; suas mãos estavam atadas.
— Eu sabia que isso aconteceria — murmurou consigo mesmo, a testa
franzida. Depois, de repente, sua cara ficou perfeitamente lisa e inexpressiva.
— Pai? — perguntei com ansiedade. Olhei para Edward, mas tampouco
consegui ler seu rosto enquanto ele observava Charlie.
— Rá! — Charlie explodiu. Eu pulei no sofá. — Rá, rá, rá!
Fiquei olhando, incrédula, enquanto Charlie se dobrava de rir, todo o corpo
se sacudindo.
Olhei para Edward procurando por uma tradução, mas Edward estava com
os lábios cerrados, como se tentasse reprimir ele mesmo o riso.
— Muito bem, então — Charlie disse com a voz embargada. — Casem-se.
— Mais uma gargalhada sacudiu seu corpo. — Mas...
— Mas o quê? — perguntei.
— Mas é você quem vai contar a sua mãe! Não vou dizer uma só palavra a
Renée! É com você! — ele explodiu de rir novamente.
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Parei com a mão na maçaneta, sorrindo. É evidente que, na época, as palavras
de Charlie me apavoraram. O Juízo Final: contar a Renée. Em sua lista negra,
casar-se cedo era pior do que cozinhar cachorrinhos vivos.
Quem poderia prever a reação dela? Eu não. Certamente não Charlie. Talvez
Alice, mas não pensei em perguntar a ela.
— Bem, Bella — disse Renée depois de eu sufocar e me atrapalhar com as
palavras impossíveis: Mãe, vou me casar com Edward. — Estou com um pouco
de rancor por ter esperado tanto tempo para me contar. As passagens aéreas só
ficam mais caras. Aaaah — ela se enervou. — Acha que até lá Phil já tirou o
gesso? Vai estragar as fotos se ele não estiver de smoking...
— Espere um segundo, mãe. — eu disse, ofegando. — O que quer dizer
com esperar tanto tempo? Eu só fiquei no-no... — Eu fui incapaz de dizer a
palavra noiva — As coisas se ajeitaram, sabe como é, hoje.
— Hoje? É mesmo? Mas isto sim é uma surpresa. Imaginei...
— O que você imaginou? Quando você imaginou?
— Bem, quando veio me visitar em abril, parecia que as coisas estavam
bem costuradas, se me faço entender. Não é difícil ler seus pensamentos, meu
amor. Mas eu não disse nada porque sabia que não faria bem nenhum. Você é
igualzinha ao Charlie. — Ela suspirou, resignada. — Depois que se decide por
uma coisa, não dá para argumentar com você. É claro que, exatamente como
Charlie, você também se prende a sua decisão.
E então ela disse a última coisa que eu esperaria ouvir de minha mãe.
— Não está cometendo nenhum erro, Bella. Você parece que está apavorada
e acho que é porque tem medo de mim. — Ela riu. — Do que eu vou pensar.
E eu sei que disse muita coisa sobre o casamento e essas idiotices... e não vou
retirar o que disse... mas você precisa entender que aquelas coisas se aplicavam
especificamente a mim. Você é uma pessoa totalmente diferente. Você comete
seus próprios erros e tenho certeza de que tem sua cota de arrependimentos na
vida. Mas comprometer-se nunca foi um problema para você, meu amor. Você
tem mais chance de fazer isso dar certo do que eu nos meus mais de quarenta
anos de vida. — Renée riu de novo. — Minha filhinha de meia-idade. Felizmente,
você parece ter encontrado outra alma velha.
— Você não está... chateada? Não acha que estou cometendo um erro
imenso?
— Bem, claro que sim. Eu queria que esperasse mais alguns anos. Quer
dizer, eu pareço velha o bastante para ser uma sogra? Não responda. Mas não
se trata de mim. Trata-se de você. Você está feliz?
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— Não sei. Agora estou tendo uma experiência fora do corpo.
Renée deu uma gargalhada.
— Ele a fez feliz, Bella?
— Sim, mas...
— Já pensou em querer outra coisa?
— Não, mas...
— Mas o quê?
— Mas você não vai dizer que eu sou como qualquer outra adolescente
apaixonada desde a aurora dos tempos?
— Você nunca foi adolescente, meu bem. Sabe o que é melhor para você.
Nas últimas semanas, Renée mergulhou inesperadamente nos planos do
casamento. Passou horas todo dia ao telefone com a mãe de Edward, Esme —
sem se preocupar em se entender com os outros parentes de casamento. Renée
adorou Esme, mas eu duvidava de que alguém pudesse deixar de reagir dessa
maneira a minha adorável quase-sogra.
Isso me tirou de uma enrascada. A família de Edward e a minha família
estavam cuidando das núpcias sem que eu precisasse fazer, saber ou pensar
muito no assunto.
É claro que Charlie ficou furioso, mas o bom foi que ele não ficou furioso
comigo. A traidora era Renée. Ele contava que ela bancasse a durona. O que ele
podia fazer agora, quando sua ameaça definitiva — contar à mamãe — tinha
se revelado completamente vazia? Não podia fazer nada e sabia disso. Então ele
lamentava pela casa, resmungando coisas sobre não se poder confiar em mais
ninguém nesse mundo...
— Pai? — chamei enquanto abria a porta da frente. — Cheguei.
— Espere aí, Bella, fique onde está.
— Hein? — perguntei, parando automaticamente.
— Me dê um segundo. Ai, você me furou, Alice.
— Alice?
— Desculpe, Charlie — respondeu a voz vibrante de Alice. — Como está
isso?
— Estou sangrando.
— Você está bem. Não rompa a pele... Confie em mim.
— O que está acontecendo? — perguntei, hesitando na soleira da porta.
— Trinta segundos, Bella, por favor — disse-me Alice. — Sua paciência
será recompensada.
— Humpf — acrescentou Charlie.
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Bati o pé, contando cada batida. Antes que chegasse a trinta, Alice disse:
— Tudo bem, Bella, entre!
Andando com cautela, entrei em nossa sala de estar.
— Ah — eu bufei. — Ai. Pai. Você está tão...
— Bobo? — interrompeu Charlie.
— Eu estava pensando mais em encantador.
Charlie corou. Alice o pegou pelos cotovelos e o fez girar lentamente para
mostrar o smoking cinza-claro.
— Agora pare com isso, Alice. Eu pareço um idiota.
— Ninguém vestido assim vai parecer um idiota.
— Ela tem razão, pai. Você está incrível! Qual é a ocasião?
Alice revirou os olhos.
— É a última prova da roupa. Para os dois.
Eu afastei os olhos de meu em geral deselegante Charlie e pela primeira vez
vi o temido saco branco colocado com cuidado no sofá.
— Aaah.
— Vá para seu refúgio feliz, Bella. Não vou demorar.
Respirei fundo e fechei os olhos. Mantendo-os fechados, subi aos tropeços a
escada para meu quarto. Tirei minha roupa e estendi os braços.
— Você achou que eu ia enfiar farpas de bambu por baixo de suas unhas —
murmurou Alice consigo mesma enquanto me seguia.
Não prestei atenção nela. Eu estava em meu refúgio feliz.
Em meu refúgio feliz, toda a confusão do casamento tinha acabado. Estava
para trás. Já reprimida e esquecida.
Estávamos sozinhos, só Edward e eu. O ambiente era vago e se alterava
constantemente — metamorfoseava-se de uma floresta nevoenta para uma cidade
nublada na noite ártica — porque Edward mantinha o local de nossa
lua-de-mel em segredo para me surpreender. Mas eu não estava especialmente
preocupada com a parte do onde.
Edward e eu estávamos juntos e eu cumpria à perfeição minha parte no
trato. Ia me casar com ele. Essa era a parte grande. Mas também aceitei todos
os seus presentes exorbitantes e estava matriculada, embora inutilmente, para
freqüentar Dartmouth no outono. Agora era a vez dele.
Antes que ele me transformasse em vampira — sua parte maior no trato —
havia mais uma condição a cumprir.
Edward tinha uma espécie de preocupação obsessiva com as coisas humanas
de que eu estaria abrindo mão, as experiências que ele não queria que me fizes-
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sem falta. A maioria delas — como o baile, por exemplo — parecia tola para
mim. Aquela era a única experiência humana cuja ausência me preocupava. É
claro que era a única que ele queria que eu esquecesse completamente.
Mas ali estava a questão. Eu sabia um pouco como seria quando não fosse
mais humana. Vi em primeira mão vampiros recém-criados e ouvi todas as
histórias de minha futura família sobre aqueles primeiros tempos bárbaros.
Por vários anos, minha principal característica seria a sede. Levaria algum tempo
para eu poder ser eu de novo. E mesmo quando estivesse controlada, nunca
sentiria exatamente o que sinto agora.
Humana... e amando apaixonadamente.
Eu queria concluir a experiência antes de trocar meu corpo quente, frágil
e cheio de feromônios por algo bonito, forte... e desconhecido. Eu queria uma
lua-de-mel de verdade com Edward. E, apesar do perigo que temia impor a
mim, ele concordou em tentar.
Eu só estava vagamente atenta a Alice e deixei que o cetim escorregasse por
meu corpo. Não me importei, naquele momento, que toda a cidade estivesse
falando de mim. Eu não pensava no espetáculo que teria de estrelar muito em
breve. Não me preocupava com tropeçar na cauda, rir na hora errada, ser nova
demais, encarar os convidados ou até o lugar vazio onde meu melhor amigo
deveria estar.
Eu estava com Edward em meu refúgio feliz

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