continuação 6

by - 13:41

— Bella — murmurou Edward, seu rosto se retorcendo quando leu a
aflição no meu. — Não há pressa. Não vou deixar ninguém ferir você. Pode
levar o tempo que precisar.
— Eu tenho pressa — sussurrei, sorrindo amarelo, tentando fazer piada
disso. — Quero ser um monstro também.
Seus dentes trincaram; ele falou através deles.
— Não faz idéia do que está dizendo. — De repente, ele colocou o jornal
úmido na mesa entre nós. Seu dedo apontou a manchete na primeira
página:
AUMENTAM AS MORTES,
POLÍCIA TEME ATIVIDADE DE GANGUE
— O que isso tem a ver?
— Os monstros não são uma piada, Bella.
Olhei a manchete outra vez, depois sua expressão séria.
— Um... um vampiro está fazendo isso? — sussurrei.
Ele sorriu sem humor algum. Sua voz era baixa e fria.
— Ficaria surpresa, Bella, em ver com que freqüência minha espécie é a
origem dos horrores de seu noticiário humano. É fácil reconhecer, quando
você sabe o que procurar. As informações aqui indicam um vampiro recémtransformado
à solta em Seattle. Sedento de sangue, louco e descontrolado.
Como todos nós somos.
Deixei meus olhos caírem no jornal de novo, evitando os olhos dele.
— Estamos monitorando a situação há algumas semanas. Todos os sinais
estão lá... Os desaparecimentos improváveis, sempre à noite, os corpos
mal desovados, a ausência de outras provas... Sim, alguém novinho em
folha. E ninguém parece estar assumindo a responsabilidade pelo neófito...
— Ele respirou fundo. — Bom, não é problema nosso. Não teríamos prestado
atenção no caso se não estivesse tão perto de casa. Como eu disse, isso
acontece o tempo todo. A existência de monstros resulta em conseqüências
monstruosas.
Tentei não ver os nomes nas páginas, mas eles saltaram do texto impresso
como se estivessem em negrito. As cinco pessoas cuja vida terminara, cujas
famílias agora estavam de luto. Era diferente de considerar o assassinato em
nível abstrato, lendo aqueles nomes. Maureen Gardiner, Geoffrey Campbell,
Grace Razi, Michelle O’Connell, Ronald Albrook. Pessoas que tinham pais,
f 29 v
filhos, amigos, animais de estimação, empregos, esperanças, planos, lembranças
e futuros...
— Não seria o mesmo para mim — sussurrei, meio para mim mesma. —
Você não deixaria que eu fosse assim. Vamos morar na Antártida.
Edward bufou, rompendo a tensão.
— Pingüins. Que lindo.
Soltei uma risada trêmula e tirei o jornal da mesa para não ter de ver os
nomes; ele caiu no linóleo com um baque. É claro que Edward não pensaria
nas possibilidades de caça. Ele e sua família “vegetariana” — todos comprometidos
em proteger a vida humana — preferiam o sabor de grandes predadores
para satisfazer suas necessidades alimentares.
— Alasca, então, como planejamos. Só um lugar muito mais distante de
Juneau... Um lugar com muitos ursos.
— Melhor — ele cedeu. — Lá tem urso polar também. Muito feroz. E os
lobos são bem grandes.
Minha boca se abriu e minha respiração soprou numa lufada áspera.
— Que foi? — perguntou ele, antes que eu pudesse me recuperar. A confusão
desapareceu e todo seu corpo pareceu enrijecer. — Ah! Deixe os lobos
para lá, então, se a idéia é ofensiva para você. — Sua voz era dura e formal,
os ombros rígidos.
— Ele era meu melhor amigo, Edward — murmurei. Doía usar o verbo
no passado. — É claro que a idéia me ofende.
— Por favor, perdoe-me por minha falta de consideração — disse ele,
ainda muito formal. — Eu não devia ter sugerido isso.
— Não se preocupe. — Olhei minhas mãos, fechadas em punhos sobre
a mesa.
Nós dois ficamos em silêncio por um momento, depois seu dedo frio estava
sob meu queixo, erguendo meu rosto. Sua expressão era muito mais suave
agora.
— Desculpe. De verdade.
— Eu sei. Sei que não é a mesma coisa. Eu não devia ter reagido assim.
É só que... bom, eu já estava pensando em Jacob antes de você chegar. —
Hesitei. Seus olhos castanhos pareciam ficar um pouco mais escuros sempre
que eu pronunciava o nome de Jacob. Minha voz ficou suplicante em
resposta a isso. — Charlie disse que Jake está passando por dificuldades.
Ele agora está sofrendo, e... a culpa é minha.
— Você não fez nada de errado, Bella.
f 30 v
Respirei fundo.
— Preciso dar um jeito nisso, Edward. Devo isso a ele. E é uma das condições
de Charlie, de qualquer modo...
Seu rosto mudou enquanto eu falava, ficando rígido de novo, como o de
uma estátua.
— Sabe que está fora de cogitação você andar desprotegida com um lobisomem,
Bella. E seria quebra do pacto se qualquer um de nós entrasse no
território deles. Quer que comecemos uma guerra?
— É claro que não!
— Então não tem sentido continuar discutindo a questão. — Ele baixou
a mão e virou o rosto, tentando mudar de assunto. Seus olhos pararam
em algo atrás de mim e ele sorriu, embora os olhos continuassem preocupados.
— Fico feliz por Charlie ter decidido deixar você sair... Você precisa muitíssimo
de uma visita à livraria. Nem acredito que está lendo O morro dos
ventos uivantes de novo. Ainda não sabe de cor?
— Nem todos nós temos memória fotográfica — eu disse asperamente.
— Com ou sem memória fotográfica, não entendo por que gosta dele.
Os personagens são pessoas medonhas que arruínam a vida umas das outras.
Não sei como Heathcliff e Cathy terminaram ao lado de casais como Romeu
e Julieta, ou Elizabeth Bennet e o Sr. Darcy. Não é uma história de amor, é
uma história de ódio.
— Você tem problemas sérios com os clássicos — eu disse.
— Talvez porque não fique impressionado com a antiguidade. — Ele sorriu,
evidentemente satisfeito por ter me distraído. — Falando sério, por que
você sempre lê isso? — Seus olhos agora eram vívidos de interesse, tentando,
de novo, revelar o funcionamento convoluto de minha mente. Ele estendeu a
mão por sobre a mesa para afagar meu rosto. — O que lhe agrada tanto?
Sua curiosidade sincera me desarmou.
— Não sei bem — eu disse, lutando para ter coerência enquanto seu
olhar esfacelava meus pensamentos sem ter essa intenção. — Acho que tem
algo a ver com a inevitabilidade. Nada pode separá-los... Nem o egoísmo
dela, nem a maldade dele, nem mesmo a morte, no final...
Seu rosto estava pensativo enquanto ele ponderava minhas palavras. Depois
de um instante, ele deu um sorriso zombeteiro.
— Ainda acho que seria uma história melhor se um deles tivesse uma
qualidade que os redimisse.
f 31 v
— Acho que esta é a questão — discordei. — O amor dos dois é a única
qualidade redentora.
— Espero que você tenha mais juízo do que isso... Se apaixonar por alguém
tão... maligno.
— É meio tarde para me preocupar com quem se apaixonou por quem —
assinalei. — Mas, mesmo sem o aviso, parece que eu me saí muito bem.
Ele riu baixinho.
— Fico feliz que você pense assim.
— Bom, espero que você seja bastante inteligente para ficar longe
de alguém tão egoísta. É Catherine a origem de todos os problemas, não
Heathcliff.
— Estarei precavido — prometeu ele.
Suspirei. Ele era tão bom nas distrações!
Coloquei a mão sobre a dele para mantê-la em meu rosto.
— Preciso ver Jacob.
Ele fechou os olhos.
— Não.
— Sinceramente, não há perigo algum — eu disse, de novo suplicante.
— Eu costumava passar o dia todo em La Push com todos eles, e nunca
aconteceu nada.
Mas pisei em falso; minha voz falhou no final porque percebi, enquanto
dizia as palavras, que elas eram uma mentira. Não era verdade que nunca
havia acontecido nada. Um breve lampejo de memória — um lobo cinza
enorme agachado para atacar, arreganhando os dentes de adaga para mim —
fez as palmas de minhas mãos suarem como um eco do pânico recordado.
Edward ouviu meu coração se acelerar e assentiu como se eu tivesse reconhecido
a mentira em voz alta.
— Os lobisomens são instáveis. Às vezes, as pessoas perto deles se machucam.
Às vezes, elas morrem.
Eu queria negar isso, mas outra imagem sufocou minha réplica. Vi em
minha mente o rosto antes lindo de Emily Young, agora desfigurado por três
cicatrizes escuras que baixavam o canto de seu olho direito e deixavam sua
boca presa para sempre numa careta de lado.
Ele esperou, implacavelmente triunfante, que eu encontrasse minha voz.
— Você não os conhece — sussurrei.
— Conheço-os melhor do que você pensa, Bella. Eu estava aqui da última
vez.
f 32 v
— Da última vez?
— Nosso caminho começou a se cruzar com o dos lobos há setenta anos...
Tínhamos acabado de nos acomodar perto de Hoquiam. Isso foi antes de
Alice e Jasper estarem conosco. Nós estávamos em maior número, mas isso
não os teria impedido de entrar numa luta, se não fosse por Carlisle. Ele
conseguiu convencer Ephraim Black de que era possível coexistirmos, e por
fim fizemos uma trégua.
O nome do bisavô de Jacob me sobressaltou.
— Pensamos que os limites tinham desaparecido com Ephraim — murmurou
Edward; agora parecia que ele falava consigo mesmo. — Que a singularidade
genética que permitia a transmutação tivesse se perdido... — Ele se
interrompeu e me fitou de um jeito acusatório. — Sua falta de sorte parece ficar
mais poderosa a cada dia. Percebe que sua atração implacável por tudo que é
letal é bastante forte para arrancar da extinção um bando de caninos mutantes?
Se pudéssemos engarrafar sua sorte, teríamos uma arma de destruição em massa.
Ignorei a provocação, minha atenção presa pelo pressuposto dele — ele
falava sério?
— Mas não fui eu que os trouxe de volta. Não sabia?
— Sabia do quê?
— Minha falta de sorte nada tem a ver com isso. Os lobisomens voltaram
porque os vampiros voltaram.
Edward me encarou, seu corpo imóvel de surpresa.
— Jacob me disse que a presença de sua família aqui deu a partida nisso.
Pensei que você já soubesse...
Seus olhos se estreitaram.
— É isso que eles acham?
— Edward, considere os fatos. Há setenta anos você veio para cá e os lobisomens
apareceram. Você voltou agora, e os lobisomens surgiram de novo.
Acha que é só uma coincidência?
Ele pestanejou e seu olhar relaxou.
— Carlisle ficará interessado nesta teoria.
— Teoria — zombei.
Ele ficou em silêncio por um momento, olhando a chuva pela janela;
imaginei que estivesse contemplando o fato de que a presença de sua família
estava transformando os habitantes em cães gigantes.
— Curioso, mas não é exatamente relevante — murmurou ele depois de
um momento. — A situação é a mesma.
f 33 v
Eu podia traduzir isso muito bem: nada de amigos lobisomens.
Eu sabia que devia ter paciência com Edward. Não era que ele não estivesse
sendo razoável, era só que ele não entendia. Ele não fazia idéia do quanto eu devia
a Jacob Black — muitas vezes, minha vida, e talvez minha sanidade também.
Eu não gostava de falar daquela época enfadonha com ninguém, em especial
com Edward. Ele só estava tentando me salvar quando partiu, tentando
salvar minha alma. Eu não o considerava responsável por todas as idiotices
que eu fizera em sua ausência, ou pela dor que sofrera.
Mas ele era.
Então eu teria de exprimir meus esclarecimentos com muito cuidado.
Levantei-me e contornei a mesa. Ele abriu os braços para mim e me sentei
em seu colo, aninhando-me em seu abraço frio de pedra. Olhei suas mãos
enquanto falava.
— Por favor, ouça por um minuto. Isto é muito mais importante do que
atender a alguns caprichos de um velho amigo. Jacob está sofrendo. — Minha
voz distorceu a palavra. — Não posso me negar a ajudá-lo... Não posso
desistir dele agora, quando ele precisa de mim. Só porque ele não é humano
o tempo todo... Bom, ele estava a meu lado quando eu mesma... não era
tão humana. Você não sabe como foi... — Eu hesitei. Os braços de Edward
estavam rígidos à minha volta; as mãos agora em punhos, os tendões se destacando.
— Se Jacob não tivesse me ajudado... não tenho certeza se você teria
por que voltar. Tenho que tentar consertar isso. Eu devo a ele mais do que
isso, Edward.
Olhei seu rosto, preocupada. Seus olhos estavam fechados, e o queixo,
tenso.
— Nunca vou me perdoar por tê-la deixado — sussurrou ele. — Nem
que eu viva cem mil anos.
Coloquei a mão em seu rosto frio e esperei até que ele suspirou e abriu os
olhos.
— Você estava tentando fazer o que era certo. E tenho certeza de que teria
funcionado com qualquer pessoa menos retardada do que eu. Além disso,
você está aqui agora. É só isso que importa.
— Se eu não tivesse partido, você não teria necessidade de arriscar sua
vida para consolar um cão.
Eu me encolhi. Estava acostumada com Jacob e todas as suas calúnias pejorativas
— sanguessuga, parasita... De certo modo, parecia mais áspero na voz
aveludada de Edward.
f 34 v
— Não sei como expressar isso adequadamente — disse Edward, e seu
tom de voz era triste. — Imagino que vá parecer cruel. Mas estive perto
demais de perder você no passado. Sei o que é pensar que perdi. Eu não vou
tolerar nenhum risco.
— Tem que confiar em mim neste caso. Eu vou ficar bem.
Seu rosto era de dor outra vez.
— Por favor, Bella — ele sussurrou.
Olhei em seus olhos dourados subitamente ardentes.
— Por favor o quê?
— Por favor, por mim. Por favor, faça um esforço para se manter segura.
Farei tudo o que eu puder, mas agradeceria se tivesse uma ajudazinha.
— Vou dar um jeito — murmurei.
— Você faz mesmo alguma idéia da importância que tem para mim? Alguma
noção do quanto a amo? — Ele me puxou para mais perto de seu peito
duro, colocando minha cabeça sob seu queixo.
Apertei os lábios em seu pescoço frio como neve.
— Eu sei o quanto eu amo você — respondi.
— Você compara uma árvore pequena com toda uma floresta.
Revirei os olhos, mas ele não pôde ver.
— Impossível.
Ele beijou o alto de minha cabeça e suspirou.
— Nada de lobisomens.
— Não vou concordar com isso. Preciso ver Jacob.
— Então terei de impedi-la.
Ele parecia totalmente confiante de que isso não seria um problema.
Eu tinha certeza de que ele estava com a razão.
— Veremos — blefei mesmo assim. — Ele ainda é meu amigo.
Pude sentir o bilhete de Jacob em meu bolso, como se de repente pesasse
dez quilos. Pude ouvir as palavras em sua voz, e ele parecia concordar com
Edward — algo que nunca aconteceria na realidade.
Isso não muda nada. Desculpe.

You May Also Like

0 comentários