continuação 5

by - 13:40

Entristecia-me que ele tivesse de se esforçar tanto. Eu me reconfortava
por saber que não seria a causa de sua dor por muito mais tempo.
Ouvi Charlie se aproximando então, batendo os pés para expressar seu
costumeiro desprazer com nosso convidado. Os olhos de Edward se abriram
e ele deixou nossas mãos caírem, mantendo-as entrelaçadas.
— Boa noite, Charlie. — Edward era sempre impecavelmente educado,
embora Charlie não merecesse isso.
Charlie grunhiu para ele, depois ficou parado ali, de braços cruzados. Nos
últimos tempos levava a idéia de supervisão paterna a extremos.
— Trouxe mais alguns formulários de universidades — disse-me Edward
depois, estendendo um envelope pardo estufado. Ele trazia um rolo de selos
feito um anel em seu dedo mínimo.
Eu gemi. Como era possível que ainda existissem tantas universidades a
que ele ainda não me obrigara a me candidatar? E como ele continuava encontrando
essas brechas? O prazo já estava se esgotando.
Ele sorriu como se pudesse ler meus pensamentos; deviam ter ficado muito
evidentes em meu rosto.
— Ainda há alguns prazos abertos. E alguns lugares dispostos a abrir
exceções.
Eu podia imaginar as motivações por trás dessas exceções. E a quantia em
dólares envolvida.
Edward riu da minha expressão.
— Podemos? — perguntou ele, conduzindo-me para a mesa da cozinha.
Charlie bufou e nos seguiu, embora não pudesse se queixar da atividade
programada para a noite. Ele me atormentava diariamente para tomar uma
decisão sobre a universidade.
Limpei a mesa enquanto Edward organizava uma pilha intimidadora de
formulários. Quando passei O morro dos ventos uivantes para a bancada, Edward
ergueu uma sobrancelha. Eu sabia o que ele estava pensando, mas Charlie
interrompeu antes que Edward pudesse comentar.
— Por falar em formulários de universidades, Edward — disse Charlie,
seu tom ainda mais rabugento; ele evitava se dirigir diretamente a Edward e,
quando tinha de fazer isso, exagerava no mau humor —, Bella e eu acabamos
de conversar sobre o ano que vem. Já decidiu para onde vai?
Edward sorriu para Charlie e sua voz era simpática.
— Ainda não. Recebi algumas cartas de admissão, mas ainda estou pensando
em minhas opções.
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— Onde você foi admitido? — pressionou Charlie.
— Syracusa... Harvard... Dartmouth... e recebi a carta de admissão da
Universidade do Sudeste do Alasca hoje. — Edward virou o rosto um
pouco para o lado, de modo que pudesse piscar para mim. Reprimi uma
risada.
— Harvard? Dartmouth? — murmurou Charlie, incapaz de esconder a
incredulidade. — Bom, isso é bem... é muita coisa. É, mas a Universidade do
Alasca... Você não pensaria de verdade nela quando pode ir para uma universidade
da Ivy League. Quer dizer, seu pai ia querer que você...
— Carlisle sempre apóia as decisões que eu tomo — disse Edward com
serenidade.
— Umpf.
— Adivinha só, Edward? — eu disse numa voz animada, entrando no
jogo.
— Que foi, Bella?
Apontei para o envelope grosso na bancada.
— Acabo de receber minha admissão na Universidade do Alasca!
— Meus parabéns! — Ele sorriu. — Que coincidência.
Os olhos de Charlie se estreitaram e ele olhou de um para o outro.
— Ótimo — murmurou ele depois de um minuto. — Vou ver o jogo,
Bella. Nove e meia.
Este era o comando de partida de sempre.
— Hã, pai? Lembra o que acabamos de conversar sobre minha liberdade...?
Ele suspirou.
— É verdade. Tudo bem, dez e meia. Você ainda tem um toque de recolher
nos dias úteis.
— Bella não está mais de castigo? — perguntou Edward.
Embora eu soubesse que ele não estava realmente surpreso, não consegui
detectar nenhuma nota falsa na emoção súbita de sua voz.
— Com uma condição — corrigiu Charlie entre os dentes. — O que você
tem a ver com isso?
Fiz uma cara bem feia para meu pai, mas ele não viu.
— É só que é bom saber — disse Edward. — Alice anda ansiosa por uma
companhia para as compras, e tenho certeza de que Bella adoraria ver algumas
luzes da cidade. — Ele sorriu para mim.
Mas Charlie grunhiu.
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— Não! — Sua fisionomia ficou roxa.
— Pai! Qual é o problema?
Ele fez um esforço para descerrar os dentes.
— Não quero que você vá a Seattle agora.
— Hein?
— Eu lhe falei da reportagem no jornal... Tem uma espécie de gangue de
assassinos solta em Seattle e quero que você fique longe disso, está bem?
Revirei os olhos.
— Pai, há uma probabilidade maior de eu ser atingida por um raio do
que um dia eu ir a Seattle...
— Não, está tudo bem, Charlie — disse Edward, interrompendo-me. —
Eu não quis dizer Seattle. Estava pensando em Portland. Eu também não
deixaria Bella ir a Seattle. É claro que não.
Eu o olhei, incrédula, mas ele estava com o jornal de Charlie nas mãos e
lia a primeira página com atenção.
Ele devia estar tentando acalmar meu pai. A idéia de correr perigo até do
mais letal dos humanos enquanto eu estivesse com Alice ou com Edward era
completamente hilariante.
Funcionou. Charlie olhou para Edward por um segundo mais, depois deu
de ombros.
— Ótimo. — Ele foi para a sala de estar, agora meio com pressa; talvez
não quisesse perder o aviso.
Esperei até que a tevê estivesse ligada, para que Charlie não conseguisse
me ouvir.
— O que... — comecei a perguntar.
— Espere — disse Edward sem tirar os olhos do jornal. Seus olhos continuaram
focalizados na página enquanto ele empurrava o primeiro formulário
para mim pela mesa. — Você pode aproveitar suas respostas para este.
Mesmas perguntas.
Charlie ainda devia estar ouvindo. Eu suspirei e comecei a preencher as
informações de sempre: nome, endereço, estado civil... Depois de alguns minutos,
olhei para cima, mas Edward agora mirava, pensativo, além da janela.
Enquanto inclinava a cabeça para meu trabalho, percebi pela primeira vez o
nome da universidade.
Eu bufei e atirei a folha de papel de lado.
— Bella?
— Fala sério, Edward. Dartmouth?
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Edward levantou o formulário descartado e o recolocou delicadamente
diante de mim.
— Acho que você ia gostar de New Hampshire — disse ele. — Há todo
um complemento de cursos noturnos para mim, e as florestas são convenientemente
localizadas para um andarilho ávido. Muita vida selvagem. — Ele
abriu o sorriso torto a que eu não resistiria.
Respirei fundo.
— Vou deixar que me pague depois, se isso a faz feliz — prometeu ele.
— Se quiser, posso lhe cobrar juros.
— Como se eu pudesse entrar sem um suborno enorme. Ou isso faz parte
do empréstimo? A ala Cullen da biblioteca? Argh. Por que estamos tendo
essa discussão de novo?
— Pode preencher o formulário, por favor, Bella? Não vai doer nada se
candidatar.
Meu queixo destravou.
— Quer saber? Não acho que eu vá.
Estendi a mão para a papelada, pretendendo amassá-la numa forma adequada
para atirar na lixeira, mas já não estava mais ali. Olhei a mesa vazia
por um momento, depois para Edward. Ele não parecia ter se mexido, mas
os formulários já deviam estar guardados em seu casaco.
— O que está fazendo? — perguntei.
— Eu assino seu nome melhor do que você mesma. Você já escreveu essas
respostas.
— Sabe que está exagerando nisso. — Sussurrei para o caso de Charlie
não estar totalmente imerso no jogo. — Não preciso me candidatar a mais
lugar nenhum. Fui aceita na Alasca. Quase posso pagar as taxas do primeiro
semestre. É um álibi tão bom quanto qualquer outro. Não há necessidade de
gastar um monte de dinheiro, qualquer que seja a origem.
Um olhar de dor enrijeceu seu rosto.
— Bella...
— Não comece. Concordo que preciso passar por tudo isso pelo bem de
Charlie, mas nós dois sabemos que não estarei em condições de ir a nenhuma
universidade no outono que vem. Nem de ficar perto de gente.
Meu conhecimento dos primeiros anos como uma recém-vampira era vago.
Edward nunca entrara em detalhes — não era seu assunto preferido —, mas eu
sabia que não era agradável. O autocontrole aparentemente era uma habilidade
adquirida. Qualquer coisa além de educação à distância estava fora de cogitação.
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— Pensei que ainda não tivéssemos decidido o momento — lembrou-me
Edward num tom delicado. — Você pode desfrutar de um ou dois semestres
de faculdade. Há muitas experiências humanas que você nunca teve.
— Eu as terei depois.
— Elas não serão experiências humanas depois. Não se tem uma segunda
chance como humana, Bella.
Suspirei.
— Você precisa ser razoável com a escolha do momento, Edward. É perigoso
demais embromar nesse caso.
— Ainda não há perigo — insistiu ele.
Olhei para ele. Não há perigo? Claro. Só havia uma vampira sádica tentando
vingar a morte do companheiro com a minha morte, de preferência
por um método lento e torturante. Quem estava preocupado com Victoria?
Ah, e sim, os Volturi — a família real vampira com seu pequeno exército
de guerreiros vampiros —, que insistiram que meu coração parasse de bater
de uma ou outra maneira no futuro próximo, porque os humanos não
podem saber que eles existem. É verdade. Não havia motivo para todo esse
pânico.
Mesmo com Alice mantendo vigilância — Edward dependia de suas visões
pouco precisas do futuro para nos dar alertas antecipados — era insanidade
correr o risco.
Além disso, eu já ganhara essa discussão. A data de minha transformação
estava marcada para algum momento logo depois de minha formatura no ensino
médio, dali a algumas semanas.
Um abalo forte de inquietude perfurou meu estômago enquanto eu percebia
que me restava pouco tempo. É claro que essa mudança era necessária
— e era a chave para o que eu queria mais do que tudo no mundo —, mas eu
estava profundamente consciente de Charlie sentado no outro cômodo, desfrutando
de seu jogo, como em qualquer outra noite. E de minha mãe, Renée,
longe, na ensolarada Flórida, ainda me pedindo para passar o verão na praia
com ela e o novo marido. E de Jacob, que, ao contrário de meus pais, sabia
exatamente o que ia acontecer quando eu desaparecesse para alguma universidade
distante. Mesmo que meus pais não ficassem desconfiados por um
bom tempo, mesmo que eu pudesse dispensar as visitas com desculpas sobre
despesas de viagem, carga de estudos ou doenças, Jacob saberia da verdade.
Por um momento, a idéia da revolta certa de Jacob ensombreou qualquer
outra dor.

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