continuação 4

by - 13:39

— Equilíbrio é bom. Mas tenho algumas quotas específicas para cumprir?
Ele fez uma careta, mas sacudiu a cabeça.
— Não quero dificultar nada. Só não se esqueça de seus amigos...
Era um dilema com o qual ainda estava lutando. Meus amigos. Para a própria
segurança deles, gente que jamais poderia ver de novo depois da formatura.
Então qual é o melhor modo de agir? Passar tempo com eles enquanto
podia? Ou começar a separação agora para torná-la mais gradual? Desanimei
diante da idéia da segunda opção.
— ... em particular, Jacob — acrescentou Charlie, antes que eu pudesse
pensar melhor.
Um dilema maior que o primeiro. Levei um momento para encontrar as
palavras certas.
— Com Jacob pode ser... complicado.
— Os Black são praticamente da família, Bella — disse ele, severo e paternal
de novo. — E Jacob foi um amigo muito, muito bom para você.
— Sei disso.
— Você não sente falta dele? — perguntou Charlie, frustrado.
Minha garganta de repente parecia inchada; tive de pigarrear duas vezes
para responder.
— Sim, sinto falta dele — admiti, ainda olhando para baixo. — Sinto
muita saudade dele.
— Então, por que é difícil?
Não era uma questão que eu tivesse liberdade para explicar. Contrariava
as regras para pessoas normais — pessoas humanas, como eu e Charlie —
saber do mundo clandestino cheio de mitos e de monstros que existia em
segredo em volta de nós. Eu sabia desse mundo — e, como conseqüência,
os problemas não eram poucos. Eu não ia envolver Charlie nas mesmas
confusões.
— Com Jacob existe um... conflito — eu disse devagar. — Um conflito
sobre a amizade, quero dizer. A amizade nem sempre parece ser suficiente
para Jake. — Encobri minha desculpa com os detalhes que eram verdadeiros
porém insignificantes, em nada cruciais quando comparados ao fato de que o
bando de lobisomens de Jake tinha um ódio cruel da família de vampiros de
Edward — e, portanto, a mim também, porque eu pretendia me unir de modo
pleno a essa família. Não era um assunto que eu pudesse resolver com ele num
bilhete, e ele não atendia a meus telefonemas. Mas meu plano de lidar com o
lobisomem em pessoa, com certeza, não se coadunava com os vampiros.
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— Edward não está preparado para uma pequena competição saudável?
— A voz de Charlie agora era sarcástica.
Olhei sombriamente para ele.
— Não existe competição.
— Você está ferindo os sentimentos de Jake, evitando-o desse jeito. Ele
prefere ser amigo a nada.
Ah, agora eu é que o estava evitando?
— Tenho certeza absoluta de que Jake não quer ser amigo coisa nenhuma.
— As palavras arderam em minha garganta. — Aliás, de onde você tirou
essa idéia?
Charlie ficou constrangido.
— O assunto talvez tenha surgido hoje numa conversa com Billy...
— Você e Billy fofocam feito umas velhinhas — reclamei, enfiando a faca
com violência no espaguete congelado em meu prato.
— Billy está preocupado com Jacob — disse Charlie. — Jake está passando
por dificuldades agora... Está deprimido.
Eu estremeci, mas não tirei os olhos da maçaroca.
— E você sempre ficava muito feliz depois de passar o dia com Jake. —
Charlie suspirou.
— Eu estou feliz agora. — Grunhi ferozmente entre os dentes.
O contraste entre minhas palavras e o tom rompeu a tensão. Charlie explodiu
numa gargalhada e eu tive de acompanhá-lo.
— Tá legal, tudo bem — concordei. — Equilíbrio.
— E Jacob — insistiu ele.
— Vou tentar.
— Ótimo. Encontre esse equilíbrio, Bella. E, ah, sim, você recebeu correspondência
— disse Charlie, encerrando o assunto sem sutileza alguma.
— Está ao lado do fogão.
Não me mexi, meus pensamentos girando confusos em torno do nome
de Jacob. Era mais provável que fosse mala-direta; tinha recebido um pacote
de minha mãe no dia anterior e não estava esperando mais nada.
Charlie afastou a cadeira da mesa e se espreguiçou quando ficou de pé.
Levou o prato dele à pia mas, antes de abrir a água para lavá-lo, parou para
atirar um envelope a mim. A carta escorregou pela mesa até meu cotovelo.
— Hã, obrigada — murmurei, confusa pela pressão. Depois vi o endereço
do remetente. A carta era da Universidade do Sudeste do Alasca. — Essa foi
rápida. Acho que esqueci o prazo desta também.
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Charlie riu.
Virei o envelope e olhei para ele.
— Está aberta.
— Eu fiquei curioso.
— Estou chocada, xerife. Isso é crime federal.
— Ah, leia isso logo.
Eu saquei a carta e alguns palavrões.
— Meus parabéns — disse ele antes que eu pudesse ler alguma palavra.
— Sua primeira admissão.
— Obrigada, pai.
— Precisamos conversar sobre os custos. Tenho algum dinheiro guardado...
— Ei, ei, nada disso. Não vou tocar na sua aposentadoria, pai. Eu tenho
meu fundo universitário. — O que restava dele; nem havia muito no
começo.
Charlie franziu o cenho.
— Alguns desses lugares são muito caros, Bella. Quero ajudar. Você não
tem que ir para o Alasca só porque é mais barato.
Não era mais barato, não mesmo. Mas ficava bem longe e Juneau tinha
uma média de 321 dias nublados por ano. O primeiro pré-requisito era meu,
o segundo, de Edward.
— Eu posso pagar. Além disso, tem muito apoio financeiro por lá. É fácil
conseguir crédito. — Eu esperava que meu blefe não fosse óbvio demais.
Não tinha pesquisado muito sobre o assunto.
— Então... — Charlie começou, depois franziu os lábios e desviou os
olhos.
— Então o quê?
— Nada. Eu só estava... — Ele fechou a cara. — Só me perguntava...
Quais são os planos de Edward para o ano que vem?
— Ah!
— E então?
Três batidas rápidas na porta me salvaram. Charlie revirou os olhos e eu
me levantei num salto.
— Já vou! — gritei enquanto Charlie murmurava alguma frase que parecia
“Suma daqui”. Eu o ignorei e fui abrir a porta para Edward.
Eu escancarei a porta — ridiculamente ansiosa — e lá estava ele, meu
milagre pessoal.
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O tempo não me deixara imune à perfeição de seu rosto, e eu tinha
certeza de que nenhum aspecto dele deixaria de me surpreender. Meus
olhos acompanharam suas feições pálidas: o quadrado do queixo, a curva
suave dos lábios cheios — agora retorcidos num sorriso —, a linha reta
do nariz, o ângulo agudo das maçãs do rosto, o mármore macio da testa
— parcialmente oculta por uma mecha de cabelo bronze, escuro com a
chuva...
Deixei os olhos para o final, sabendo que, quando olhasse dentro deles,
talvez perdesse o fio do pensamento. Eles eram grandes, calorosos
como de ouro líquido, e emoldurados por uma franja grossa de cílios
escuros. Olhar seus olhos sempre fazia com que eu me sentisse extraordinária
— como se meus ossos tivessem virado esponja. Eu também ficava
um pouco tonta, mas isso devia ser porque eu me esquecia de respirar.
De novo.
Era um rosto que qualquer modelo no mundo daria a alma para conseguir.
É claro que este podia ser exatamente o preço pedido: uma alma.
Não. Eu não acreditava nisso. Sentia-me culpada até de pensar nisso e estava
feliz — como sempre ficava — por ser a única pessoa cujos pensamentos
eram um mistério para Edward.
Peguei sua mão e suspirei quando seus dedos frios encontraram os meus.
Seu toque vinha com a sensação estranha de alívio — como se eu estivesse
com dor e o sofrimento de repente cessasse.
— Oi. — Eu sorri um pouco para minha recepção anticlimática.
Ele ergueu nossos dedos entrelaçados para afagar meu rosto com as costas
da mão.
— Como foi sua tarde?
— Lerda.
— A minha também.
Ele puxou meu punho até seu rosto, nossas mãos ainda entrelaçadas. Seus
olhos se fecharam à medida que o nariz roçava a pele ali, e ele sorriu delicadamente,
sem abri-los. Desfrutando o buquê enquanto resistia ao vinho, como
certa vez ele mencionou.
Eu sabia que o cheiro do meu sangue — mais doce para ele do que o
sangue de qualquer outro, do mesmo modo que vinho ao lado de água para
um alcoólatra — causava-lhe dor pela sede ardente que produzia. Mas ele
não parecia fugir dele, como fizera um dia. Eu só podia imaginar o esforço
hercúleo por trás desse gesto simples

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